Valor Econômico, v. 20, n. 4889, 28/11/2019. Especial, p. F1

Câmbio traz incerteza sobre tamanho de corte da Selic

Victor Rezende
Juliana Machado
Lucas Hirata
Ana Carolina Neira


Com o dólar em níveis recordes ante o real, investidores adotaram um tom mais cauteloso para o ciclo atual de afrouxamento monetário. Apesar de sinais recentes do presidente do Banco Central, Roberto Campos, de que o juro básico deve ter um corte de 0,50 ponto percentual em dezembro, algumas instituições financeiras começam a ver chance de uma redução mais contida, de 0,25 ponto.

Apesar de não ser majoritária, a visão de um corte de 0,25 ponto no mês que vem está alinhada ao movimento de aumento do prêmio de risco no mercado de juros futuros. Ontem, a taxa dos contratos de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2021 subiu de 4,75% para 4,77%, enquanto a do contrato para janeiro de 2023 saiu de 5,99% para 6,01%. No fim da sessão regular de ontem, as taxas embutiam redução de 0,39 ponto na Selic no próximo mês, segundo a Renascença DTVM.

No caso da bolsa, o avanço do dólar e dos juros futuros até chegou a pesar sobre a trajetória de alguns papéis, mas a baixa recente de ações de grande peso, como as instituições financeiras, garantiu a demanda na sessão - e o Ibovespa terminou em alta de 0,61%, aos 107.707 pontos.

Para o vice-chefe de estratégia de mercados emergentes da TD Securities, Sacha Tihanyi, o mercado deve reduzir as expectativas de um corte de 0,50 ponto em dezembro, “uma vez que o BC pode estar mais hesitante em reduzir os juros ainda mais no ritmo visto recentemente”. Ele trabalha com cenário de Selic a 4,75% no fim do ano, mas projeta duas reduções adicionais de 0,25 ponto em 2020, o que levaria a Selic a 4,25% em março.

Uma avaliação mais cautelosa é adotada pelo BBVA. Principal economista para mercados emergentes do banco espanhol, Enestor dos Santos afirma que, “pelo que temos visto no câmbio nos últimos dias, a perspectiva de juro a 4,75% se mostra ainda mais forte”. Ele lembra que Campos indicou um corte de 0,50 ponto em dezembro, mas ressalta que “as perspectivas neste momento são piores do que na última reunião do Copom”, o que faria o BC reavaliar o cenário.

Outros economistas, porém, acreditam que a autoridade monetária brasileira deve se guiar em sua orientação dada no Copom de outubro e cortar o juro básico em 0,50 ponto em dezembro, o que levaria a Selic a 4,50% em algumas semanas.

Para o diretor de investimentos da Western Asset, Paulo Clini, a leitura do mercado sobre um fim antecipado do ciclo por causa do câmbio é “um pouco precipitada”. O cenário base da gestora contempla a taxa básica em 4,25% em fevereiro diante da percepção de que o processo de formação de preços, principalmente os que são sensíveis à política monetária, continua bem-comportado. “Nada me diz que o dólar a R$ 4,25 é um nível permanente de câmbio. Parece cedo demais para argumentar que esse patamar veio para ficar. E, mesmo se for permanente, o repasse à inflação é incerto”, diz Clini.

Diante de todo o movimento do câmbio e o choque de oferta em preços de proteínas animais, a forma como o BC se comunicará com o mercado será fundamental. O economista-chefe da Vinland, Aurelio Bicalho, reconhece que ficou um pouco mais inseguro com cortes no ano que vem, mesmo que os fundamentos não tenham mudado e amparem queda contínua da Selic.

Segundo ele, o BC não tem deixado clara a mensagem de que o aumento dos preços em proteínas e o salto do dólar são choques de oferta, enquanto os núcleos de inflação - que excluem itens mais voláteis - seguem bem perto do piso da meta de inflação. “Falta reforçar também que não existe relação mecânica entre o movimento do câmbio e os rumos da política monetária.”