Valor Econômico, v. 20, n. 4889, 28/11/2019. Política, p. A16

TRF-4 ignora Supremo e eleva pena de Lula

Fernanda Wenzel
Carolina Freitas
Cristiane Agostine


Os três desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), de Porto Alegre, decidiram ontem manter a condenação e aumentar a pena do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no caso do sítio de Atibaia (SP). A decisão, no âmbito da operação Lava-Jato, foi unânime. Eduardo Thompson Flores, Leandro Paulsen e João Pedro Gebran Neto refutaram entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) de que o réu delatado tem de ser o último a apresentar suas alegações finais em um processo. Para os desembargadores, a decisão do Supremo não se aplica ao caso de Lula. O julgamento começou às 9h e só foi concluído às 17h44.

O petista recebeu, assim, sua segunda condenação na segunda instância da Justiça - a primeira foi em janeiro de 2018 no caso do tríplex do Guarujá (SP). A pena no processo de Atibaia passou de 12 anos e 11 meses para 17 anos, 1 mês e 10 dias em regime fechado, por corrupção e lavagem de dinheiro. Isso porque os desembargadores acataram pedido do Ministério Público Federal (MPF).

Lula esteve preso de abril de 2018 a 8 de novembro de 2019 por causa do processo do tríplex. O ex-presidente agora segue em liberdade até que um dos casos em que é réu transite em julgado, ou seja, tenha todos os recursos analisados pela Justiça. A única possibilidade de Lula ser preso antes disso é se a Câmara aprovar proposta, em tramitação, para que condenados em segunda instância já comecem a cumprir a pena antecipadamente, sem ter de esperar o trânsito em julgado. As articulações no Congresso se intensificaram depois da soltura do ex-presidente.

Advogado de Lula, Cristiano Zanin afirmou que vai recorrer da decisão de ontem do TRF-4. Ele informou que vai aguardar a publicação do acórdão para decidir se o recurso será enviado ao próprio TRF ou a uma corte superior. “Hoje vimos argumentos políticos sendo apresentados ao invés de argumentos jurídicos”, disse Zanin. “A questão do Direito ficou desprezada. ”

A defesa pedia a anulação da sentença proferida pela juíza federal Gabriela Hardt, da 13ª Vara da Justiça Federal em Curitiba. Alegava que Gabriela era suspeita para julgar o ex-presidente e que fez na sentença um “copia e cola” de condenação anterior de Lula. Os advogados mencionaram ainda o pedido de suspeição do ex-juiz da Lava-Jato e hoje ministro da Justiça, Sergio Moro, responsável pela condenação de Lula no caso do tríplex. A suspeição de Moro, por orientar os procuradores da Lava-Jato, será analisada pelo Supremo, em data ainda não definida.

Além disso, os desembargadores de Porto Alegre mencionaram a determinação do Supremo, de outubro, de que, quando o réu delatado não é o último a apresentar as alegações finais do processo, fere-se o direito à ampla defesa, e as sentenças ficam passíveis de anulação. Moro usou essa prática em casos da Lava-Jato, incluindo o do ex-presidente Lula. Apesar de terem chegado a uma decisão, os ministros do Supremo não concluíram o julgamento sobre esse ponto, detalhando, por exemplo, se o entendimento valia ou não para casos anteriores àquele julgamento.

Dessa forma, os desembargadores Gebran Neto e Thompson puderam dizer que o entendimento do STF valeria apenas para caso posteriores à decisão do Supremo. Paulsen afirmou que o prazo para alegações finais comum a delatores e delatados não prejudicou Lula. “Não há prejuízo que justifique a anulação da sentença”, disse Paulsen ao votar.

Sobre a suspeição de Gabriela Hardt, também descartada pelos desembargadores, houve elogios dos três ao exame de provas “minucioso” feito pela juíza. Gebran e Paulsen negaram plágio na sentença de Gabriela. “O que houve foi o aproveitamento de estudos feitos pelo próprio juízo”, disse Leandro Paulsen.

O caso analisado ontem pelo TRF-4 tratava do recebimento de propina por Lula, em 2010, quando ainda era presidente da República. O pagamento de propina teria se dado por meio de reformas no valor de R$ 1,02 milhão no sítio Santa Bárbara, em Atibaia, no interior de São Paulo.

Segundo a Lava-Jato, os gastos foram bancados pelo Grupo Schahin e pelas empreiteiras OAS e Odebrecht, em troca de vantagens em contratos com a Petrobras e na manutenção de dirigentes na estatal que atendiam aos interesses das empresas. O envio de dinheiro para o caixa do PT também estaria na negociação. O Ministério Público Federal (MPF) aponta ainda que Lula tentou ocultar o patrimônio, não registrado em seu nome.

O ex-presidente nega as acusações e diz que apenas frequentava o imóvel, que formalmente pertence ao empresário Fernando Bittar.

Ontem o desembargador Gebran Neto, relator do caso, disse ser irrelevante a escritura do sítio. “Fato é que Lula usava do imóvel. Temos farta documentação de provas, com laudos periciais, com documentos, com bens, referências de testemunhas, de que ele [Lula] usava o imóvel, seja porque levou parte do seu acervo, mas também porque fazia e solicitava melhorias no sítio”, afirmou Gebran.

Paulsen e Flores acompanharam integralmente o voto do relator. Paulsen destacou o valor de R$ 170 mil dos móveis planejados para a cozinha do sítio: “Não havia preocupação com os custos porque ninguém se preocupava, porque eram de propina. ”

Em sua sustentação durante o julgamento, o procurador Maurício Gerum, do MPF da 4ª Região, afirmou que Lula e a então esposa do petista, Marisa Letícia, usavam mais o sítio do que a família do proprietário formal do local. As obras bancadas pelas empreiteiras, segundo Gerum, tinham como objetivo “adequar o sítio às exigências do casal presidencial”. “Restou plenamente comprovado que Lula se corrompeu”, afirmou o procurador.

A presidente nacional do PT, deputada Gleisi Hoffmann, classificou o julgamento feito pelo tribunal de Porto Alegre como um “motim judicial”. “Gebran diz que STF devia decidir que a ordem das alegações valeria para o futuro e que juízes não adivinham novas regras”, escreveu Gleisi no Twitter. “Data máxima venia, [o TRF fez] banana para a Constituição Federal. ”

Em nota assinada por Gleisi e pelos líderes do PT no Congresso, o partido de Lula afirmou: “O relator Gebran Neto simplesmente julgou e condenou o STF, alegando que a Corte Suprema teria criado indevidamente nova norma jurídica. E ainda ousou normatizar a decisão do STF, decidindo que só valerá para o futuro, em clara invasão de competência. ” *Para o Valor