Valor Econômico, v. 20, n. 4815, 15/08/2019. Legislação e Tributos , p. A12

O IVA e o setor financeiro

Eduardo Fleury 


 

A incidência do IVA sobre o setor financeiro apresenta algumas dificuldades operacionais. Para entender melhor estes pontos, precisamos classificar as atividades realizadas pelo setor financeiro.

As instituições financeiras prestam alguns serviços que normalmente são remunerados por tarifas, tais como transferências e extratos. O serviço de intermediação, isto é, captação de recursos e realização de empréstimos, é remunerado pela margem de intermediação (spread). Temos ainda a consultoria financeira, por meio da qual, por exemplo, os agentes auxiliam empresas na emissão de valores mobiliários, sendo remunerados por comissões.

Nos serviços em relação aos quais a remuneração se dá por meio de comissões ou tarifas, a incidência do IVA, em tese, não demandaria grandes dificuldades. No entanto, bancos prestam serviços que podem ser remunerados simultaneamente tanto por tarifas/comissões, como por spread. Por exemplo, em um empréstimo, o banco pode cobrar spread e tarifa sobre a concessão de créditos.A aplicação da isenção ao setor financeiro, realidade em boa parte dos países que adotam o IVA, gera distorções significativas

Em vista desta flexibilidade operacional, o regime de tributação do IVA deve ser igualmente aplicado sobre tarifas e spread, evitando a manipulação da cobrança para o item com a incidência tributária mais reduzida. Antes de avançar na análise da incidência do IVA, precisamos detalhar os valores contidos no spread bancário.

Dentro dos juros recebidos pelo banco estão incluídos o valor do dinheiro no tempo, o prêmio pelo risco tomado e o serviço de intermediação, sendo que os dois últimos itens compõem o spread. Não podemos tributar o valor do dinheiro no tempo, porque tal tributação afetaria o custo de postergar o consumo. O prêmio pelo risco também não pode ser alcançado pelo IVA, pois servirá para cobrir as perdas incorridas com o não pagamento de empréstimos. Já quanto ao serviço de intermediação, este sim vem a ser um serviço que gera valor adicionado, podendo portanto ser tributado.

Uma vez definidos os serviços financeiros sujeitos ao IVA, resta entender por que estes serviços devem ser tributados. Quando o banco empresta dinheiro aos contribuintes, geralmente empresas, a cobrança do IVA é essencial para que o imposto cobrado sobre os insumos dos bancos seja "transportado" para a próxima etapa da cadeia produtiva como crédito.

A aplicação da isenção ao setor financeiro, realidade em boa parte dos países que adotam o IVA, gera distorções significativas. Neste cenário, o tomador do empréstimo não se creditará em razão da isenção e não terá direito ao crédito do imposto pago pelo banco sobre seus insumos. Este imposto não creditável fica "encalhado" como custo na cadeia produtiva. Como resultado, no fim da cadeia, a alíquota efetiva da empresa que tomou o empréstimo será maior do que aquelas aplicáveis às demais que não se utilizaram do sistema financeiro. Além disso, a isenção estimula os bancos a internalizarem algumas atividades (self supply), pois assim evitam o pagamento do IVA em relação ao qual não poderão se creditar.

No entanto, nas operações bancárias com pessoas físicas, contribuintes de fato do IVA, o modelo de isenção resulta em alíquota efetiva menor do que a estatutária, pois a tributação não é exercida na última etapa.

A fim de evitar as distorções, o ideal seria aplicar o IVA sobre todos os tipos de serviços financeiros listados acima. As comissões e tarifas são facilmente identificáveis para fins de tributação. Já o serviço de intermediação, incluído no spread, não está explicito em cada operação. O banco, quando recebe pagamentos de empréstimos, muitas vezes não distingue juros de principal. Ainda que o faça, como medir qual parcela dos juros corresponde aos serviços financeiros?

Uma solução apresentada é a tributação no formato "cash flow". Neste sistema, toda a entrada de recursos no banco (ex.:depósitos, pagamentos de empréstimos) geraria débito do IVA, enquanto as saídas (ex.: saques, concessão de empréstimos) representariam créditos do IVA. Como resultado do fluxo de entradas e saídas de recursos, teríamos um valor líquido próximo do spread bancário.

Como as perdas, isto é, o não pagamento dos empréstimos, são dedutíveis (não geram débitos de IVA), na prática retiraremos do spread o prêmio pelo risco, restando apenas o serviço de intermediação, que será, então, tributado.

Se do ponto de vista teórico o sistema de cash flow não gera distorções, do ponto de vista prático apresenta problemas de difícil solução. Por exemplo, os tomadores de empréstimos teriam que recolher o IVA sobre o principal, gerando necessidade extra de recursos. Além disso, a implementação do sistema encontra várias dificuldades.

Outros formatos têm sido estudados. A aplicação da alíquota zero sobre as operações dos bancos com empresas resolveria as distorções, pois, neste sistema, o imposto pago sobre os insumos bancários são devolvidos aos bancos, evitando que créditos fiquem "encalhados" no meio da cadeia. Na prática, o fato de o banco não pagar o IVA não implica que os serviços bancários não vão ser tributados. O próximo elo da cadeia não irá tomar crédito pelo serviço financeiro, mas o valor do serviço será tributado na próxima venda.

Já o uso da alíquota zero sobre serviços destinados a consumidores finais resultará em não arrecadar IVA sobre estas operações. Assim, uma possível alternativa seria aplicar a alíquota zero nas operações com empresas e a isenção nas transações com consumidores. Ainda assim, teríamos algumas distorções e dificuldades operacionais.

Procuramos demonstrar neste texto que a incidência do IVA sobre o setor financeiro deve comparar os custos e entraves envolvidos na implementação de cada modelo de cobrança com os benefícios econômicos gerados.