Valor Econômico, v. 20, n. 4815, 15/08/2019. Especial, p. A20

Salles aposta fichas em empréstimo com Brics

Gabriel Vasconcelos 



O Ministério do Meio Ambiente (MMA) detalhou ao Valor o formato do empréstimo de US$ 500 milhões que planeja tomar junto ao Banco do Brics (NDB) para intensificar a sua agenda ambiental urbana. Segundo o Secretário de Relações Internacionais do ministério, Roberto Castelo Branco, o dinheiro será destinado exclusivamente a órgãos públicos, preferencialmente prefeituras, para o financiamento de obras de saneamento básico, ações de tratamento de resíduos que visem o fim de lixões e projetos de energias renováveis.

A medida também é uma resposta à crise do Fundo Amazônia, que ameaça ser encerrado devido a divergências entre o ministro Ricardo Salles (MMA), e os países doadores, Noruega e Alemanha, sobre seu formato de governança.

Castelo Branco, que esteve reunido com executivos do NDB na terça-feira, disse que o empréstimo deve ser aprovado pela diretoria do banco em meados de setembro e que os primeiros desembolsos devem acontecer no começo do ano que vem.

Um executivo do NDB, que prefere não se identificar, informou que o projeto está em fase final de preparação e será negociado nas próximas semanas para ser apreciado pela diretoria em sua terceira reunião anual, em setembro. Mais tardar, o projeto receberia o aval em novembro, no último encontro do ano. O executivo avalia que o negócio não deve enfrentar dificuldades por contemplar área prioritária para o NDB e permitir aumentar a carteira no país, uma diretriz estratégica. Entre os cinco países sócios, o Brasil tem o menor volume aprovado pelo banco, US$ 621 milhões, e o novo empréstimo praticamente dobraria a carteira local.

Conforme antecipado ontem pelo Valor, o secretário do MMA confirmou que o montante será contratado com garantia do Tesouro e alocado no Fundo Clima, que, assim como o Fundo Amazônia, é gerido pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). O dinheiro chegará às prefeituras por meio de "sub-empréstimos" regidos por contratos entre as prefeituras e o BNDES.

De acordo com Carlos Lampert, da Secretaria de Assuntos Internacionais do Ministério da Economia, que deu aval à operação ainda em maio, o formato de aporte da União ao BNDES foi escolhido para que o recurso não entrasse no orçamento do MMA, limitado pelo teto de gastos. Castelo Branco disse que, dessa forma, ficam protegidos os repasses do ministério para órgãos como o Ibama e o ICMBio. "Foi o caminho mais apropriado para evitar que um recurso de fora não limite outras agendas do ministério, como o combate ao desmatamento."

"O dinheiro vai atender demandas que nunca foram tratadas como prioridade por governos anteriores, como o fim de lixões e esgotos a céu aberto. Falava-se muito de Amazônia, com certa razão, mas a questão ambiental da imensa maioria dos brasileiros foi esquecida."

Ele argumenta que, embora representem 3,1% do território, as cidades concentram 80% da população e têm suas necessidades ambientais negligenciadas.

Assim como o Fundo Amazônia, o Fundo Clima foi criado no governo Lula, em 2009, mas com finalidade diferente. Voltado a ações de redução das emissões de gases do efeito estufa, se desdobrou em nove linhas de crédito que contemplaram desde projetos de energia limpa até limpeza e mobilidade urbana, passando pela compra de maquinário mais eficiente, única frente ainda ativa hoje, segundo o BNDES. O novo empréstimo funcionará, portanto, como uma recapitalização.

Além da diferença de finalidade, esses fundos têm governança diversa. O Clima é menos influenciado por entes externos ao governo federal, como ONGs e governos estaduais. Isso permitirá a Salles controlar mais a sua aplicação.

"Com o Fundo Clima ainda não tivemos problemas, até porque os recursos não vêm de outros países", disse Castelo Branco. Segundo fonte do NDB, o juro anual da operação prestes a ser contratada pelo governo brasileiro ficará entre 0,65% e 1,35% acrescido da taxa Libor, a depender do tempo de repagamento, entre oito e 19 anos. Já os recursos do Fundo Amazônia são doados e aplicados a fundo perdido em ações de combate ao desmatamento.