Valor Econômico, v. 20, n. 4815, 15/08/2019. Política, p. A15

Câmara endurece lei sobre abuso de autoridade

 Raphael Di Cunto
 Marcelo Ribeiro
 Isadora Peron



Com a Operação Lava-Jato sob contestação, a Câmara dos Deputados aprovou ontem projeto de lei para endurecer a legislação sobre abuso de autoridade. O texto, que define 30 condutas que serão consideradas crime, vale para servidores e agentes públicos de todos os Poderes, mas foi elaborado visando o Judiciário e Ministério Público. A votação foi simbólica.

A votação, antecipada pelo Valor PRO na semana passada, ainda não tinha acabado até o fechamento desta edição, faltava a análise de três emendas, mas o acordo entre a maioria dos partidos era aprovar o projeto da forma como chegou do Senado para encaminhá-lo direto à sanção presidencial. O PSL quer pressionar o presidente Jair Bolsonaro a vetar alguns artigos.

A proposta está parada na Câmara há dois anos, mas saiu direto para o plenário, com a aprovação de um requerimento de urgência à tarde e a votação à noite. A pressa ocorreu porque os deputados avaliaram que o cenário era ideal, com as figuras de frente da Lava-Jato com prestígio abalado após a divulgação de conversas particulares.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), negou que a votação seja uma "revanche contra outros Poderes" e disse que optou por esse projeto, de 2017, e não pelo texto votado pelo Senado há dois meses dentro das 10 Medidas Contra a Corrupção porque o segundo tratava apenas de juízes e do Ministério Público. "Entendemos que esse texto atinge, de forma democrática, todos aqueles que podem cometer abuso de autoridade", disse.

Já o líder do Cidadania, deputado Daniel Coelho (PE), criticou a pressa e disse que o projeto visa o Ministério Público e Judiciário. "Não temos, como deputados, prerrogativas para infringir os crimes previstos nesta lei", afirmou. A deputada Carla Zambelli (PSL-SP) afirmou que as investigações em curso serão atrapalhadas: "O projeto proíbe o flagrante preparado, muito usado em casos de pedofilia infantil e de tráfico de drogas."

Há outra diferença significativa: as 10 Medidas Contra as Corrupçãos, além do abuso de autoridade, endurecem a punição para casos de corrupção e tornam crime o caixa dois de campanha eleitoral. A votação teve apoio de quase todos os partidos, do PT ao DEM, e apenas PSL, Novo, Cidadania e Podemos se manifestaram contra a proposta. O PSL, contudo, que poderia pedir votação nominal, não fez isso por causa de um acordo.

O projeto estabelece 30 condutas de servidores públicos que serão consideradas crime, com penas que variam de seis meses a quatro anos de prisão, mais multa, e exigência de que a autoridade indenize a vítima. Também poderá haver a perda do cargo público e inabilitação para exercício de função pública por um a cinco anos em caso de reincidência.

Entre as condutas que serão crime estão algumas adotadas pela Lava-Jato, como decretar a condução coercitiva de investigado sem intimação prévia, "quebrar" o segredo de Justiça de processos (com o vazamento das informações à imprensa) ou divulgar gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada do investigado.

Também será punida a entrada em imóvel sem determinação judicial, obtenção de provas por meios ilícitos, impedir encontro reservado entre um preso e seu advogado, colocar algemas no detido quando não houver resistência à prisão, manter presos, na mesma cela, pessoas de sexos diferentes e filmar ou fotografar o preso sem autorização judicial.

A bancada da bala protestou que as medidas punirão os policiais. "Miraram no Ministério Público e Judiciário e acertaram o tiro nos policiais", afirmou o deputado capitão Augusto Rosa (PL-SP), presidente da frente parlamentar da segurança pública. Eles reclamavam das restrições ao uso de algemas e de precisar proibir pessoas de filmarem presos.