Valor Econômico, v. 20, n. 4815, 15/08/2019. Brasil, p. A2

Indústria defende adesão a solução temporária nas disputas da OMC

 Assis Moreira



 

A Coalizão Empresarial Brasileira (CEB) pediu esta semana a adesão do governo brasileiro a uma iniciativa da União Europeia (UE) e do Canadá para atenuar o impasse no mecanismo de solução de disputas da Organização Mundial do Comércio (OMC) e evitar assim “perdas bilionárias” ao Brasil.

Para a CEB, grupo secretariado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), o apoio brasileiro se justifica pelo risco iminente de paralisia do Orgão de Solução de Controvérsias (OSC), diante dos bloqueios sucessivos dos EUA à nomeação de novos juízes ao Órgão de Apelação (OA) “e pelo potencial enorme e bilionário de perdas ao Brasil, caso o mecanismo não esteja em seu pleno funcionamento”.

Em dezembro, restará apenas um dos sete juízes do Órgão de Apelação, espécie de corte suprema do comércio internacional. Os EUA querem uma ampla reforma do sistema, estimando que atualmente os juízes fazem interpretações excessivas das regras e criam novas obrigações aos países, indo bem além do que foi negociado em rodadas multilaterais.

Diante do impasse, a UE e o Canadá concordaram agora em resolver suas disputas através de um mecanismo de arbitragem. Esperam que os outros países na OMC sigam essa alternativa legal e evitem resolver os conflitos através de medidas unilaterais. Na arbitragem, os juízes devem ser escolhidos por sorteio entre antigos membros do Órgão de Apelação. Os procedimentos devem seguir, tanto quanto possível, aqueles do Órgão de Apelação.

Até agora, não houve entusiasmo entre a maioria dos países na OMC por essa solução temporária. Negociadores apontam insegurança jurídica. Em vez de decisão multilateral sobre uma disputa, a arbitragem é bilateral, não tem decisão obrigatória e enfraquece a legitimidade geral do sistema.

No entanto, em carta ao ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, o presidente da CEB, Reginaldo Arcuri, considera que o apoio do Brasil à proposta europeia torna-se necessário para o país garantir pelo menos o acesso interino a um recurso de apelação na OMC.

Argumenta que o Brasil é o quinto maior usuário do mecanismo de solução de controvérsias da OMC e “figura como o país mais ofensivo entre as maiores economias mundiais”. Em 67% das disputas (33 de um total de 49), o Brasil foi o denunciante, questionando medidas adotadas por terceiros mercados e afetando exportações brasileiras.

Mais importante ainda, na visão da CEB, é que o Brasil obteve vitórias em casos envolvendo transações que somam US$ 9,5 bilhões desde 1995, ou US$ 633 milhões por caso, “o que posiciona o Órgão de Solução de Controvérsias da OMC como estratégico para a política comercial brasileira”. Os setores que ganharam disputas na entidade vão de aviação civil, siderurgia, algodão, frango carne bovina e açucar.

A CEB observa que o Brasil tem atualmente cinco casos como demandante em andamento na OMC, iniciados nos últimos cinco anos. “O potencial de perdas para o país, caso o sistema entre em colapso e não seja possível colher os frutos dessas disputas, é de US$ 7 bilhões para o país, ou US$ 1,4 bilhão por caso”, diz Arcuri na carta ao Itamaraty.

A CEB aponta também interesses defensivos na medida em que políticas industriais relevantes para o desenvolvimento econômico do país são questionadas por terceiros países na OMC. “Nesses casos, também é fundamental o pleno funcionamento do sistema de solução de controvérsias para que políticas domésticas que são compatíveis com as regras multilateral possam ser preservadas”, diz.

O acordo Canadá-UE sobre arbitragem abre o terreno para o Brasil também solicitar aos canadenses o mesmo tipo de mecanismo no seguimento do conflito envolvendo subsídios recebidos pela Bombardier e que afetariam vendas da Embraer. Como já aceitou a arbitragem com os europeus, os canadenses dificilmente teriam como recusar o mesmo recurso na disputa com o Brasil.