Valor Econômico, v.20, n. 4925, 23/01/2020. Brasil p.A6

 

Governo quer eliminar juizados dos aeroportos


Intenção da medida da administração de Bolsonaro é acabar com judicialização excessiva

Lu Aiko Otta

O governo quer eliminar os juizados especiais instalados nos principais aeroportos do Brasil, disse ao Valor o secretário de Aviação Civil, Ronei Glanzmann. “Não há mais caos aéreo”, justificou. Além disso, a pontualidade dos voos operados no Brasil está entre as mais altas do mundo, segundo ele.

A remoção dessas estruturas tem também um valor simbólico, acrescentou Glanzmann. Há preocupação com o elevado nível de judicialização no setor, que está acima dos padrões internacionais.

Esse movimento tem pressionado os custos das companhias e se tornou mais um obstáculo a um dos principais objetivos do governo: atrair novas empresas, principalmente as de baixo custo, para acirrar a concorrência no mercado brasileiro.

O enfrentamento à judicialização excessiva é um dos focos de atenção do governo no setor de aviação civil neste ano. O outro ponto crucial da agenda é a redução do preço do combustível, disse o secretário. Hoje, três empresas que atuam em pool dominam a distribuição do querosene - BR Distribuidora, Shell Aviation (Raízen) e Air BP. Pelos cálculos da Secretaria de Aviação Civil, essa situação permite uma “gordura” de 20% a 30% nos preços.

Conforme mostrou o Valor no último dia 2, há um conjunto de empresas que atuam no Brasil por meio de sites e aplicativos “comprando” o direito dos passageiros de cobrar indenizações das companhias aéreas na Justiça, quando ocorrem problemas nos voos. “Tem acontecido cada vez mais”, disse Glanzmann. “Eles assediam as pessoas, às vezes no próprio aeroporto.”

Na opinião do secretário, o ideal é que o consumidor tente, primeiro, entender-se diretamente com a companhia aérea. A plataforma consumidor.gov.br permite que sejam celebrados acordos, o que ocorre em 80% dos casos. Não havendo sucesso, seria o caso de procurar a Justiça.

O governo articulou-se com a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). “Eles entendem que essa forma de assediar as pessoas para entrarem na Justiça é contrária à ética profissional”, contou o secretário. Reportagem do Valor mostrou que a seccional da OAB no Rio já havia ingressado com ações civis públicas contra alguns desses serviços. Além disso, o governo vai procurar o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para orientar tribunais.

A judicialização tomou boa parte da reunião que o ministro da Infraestrutura, Tarcísio Gomes de Freitas, teve com o presidente da Gol, Paulo Kakinoff, na terça-feira passada.

Com a alta recente do dólar, outro tema discutido na reunião com a Gol, que é também de interesse do governo, foi a queda no preço do combustível dos aviões. Glanzmann considera que já houve alguns avanços, como a redução do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) por parte de alguns Estados. Em São Paulo a alíquota caiu de 25% para 12%, outras unidades da federação cobram 7%.

“Mas ainda tem algumas lições de casa para fazermos”, admitiu o secretário. O Ministério da Infraestrutura está concluindo um relatório para propor ao Ministério da Economia a eliminação da cobrança do PIS/Cofins. Hoje, representa perto de R$ 0,07 por litro e proporciona uma arrecadação anual de R$ 250 milhões.

A redução mais significativa nos preços do querosene de aviação, porém, depende da entrada de novas distribuidoras no mercado brasileiro. Um grupo de trabalho formado pela Agência Nacional do Petróleo (ANP) e pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) elabora mudanças na regulação para permitir que outras empresas utilizem a infraestrutura de dutos, tanques e bombas, hoje controlada por três distribuidoras no Brasil. Glanzmann espera as medidas ainda no primeiro semestre de 2020.

Procurada, a BR informou que “vem acompanhando o assunto, estando pronta a contribuir com as discussões sobre a complexa atividade de distribuição de combustíveis de aviação.” A BP e a Raízen informaram que não comentariam.

O governo quer ainda certificar o uso do querosene de aviação do tipo Jet A no Brasil, a exemplo do que ocorre nos Estados Unidos. Hoje, é utilizado o do tipo Jet A-1.

Existe maior oferta do combustível Jet A no mundo. Com o uso autorizado, esse poderia ser importado com mais facilidade e a um custo mais baixo.

A certificação deve ser feita pelo laboratório da ANP. O secretário disse que está em estudos o uso de recursos do Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC) para financiar o trabalho.

Glanzmann avaliou que estão bem encaminhadas as medidas para melhorar a infraestrutura dos aeroportos. Além do programa de concessões à iniciativa privada, está em andamento um programa de investimentos públicos em aeroportos regionais, com previsão de R$ 3 bilhões até o fim do governo de Jair Bolsonaro.