Valor Econômico, v.20, n. 4924, 22/01/2020. Valor investe p.C10

 

Lula: de que adianta a bolsa fechar com 120 mil pontos?


Essa visão de que a bolsa é apenas uma jogatina sem qualquer impacto sobre o crescimento econômico e o nível de emprego é a de boa parte da população brasileira

André Rocha

No último dia 15 de janeiro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva postou na sua conta oficial do Twitter: “De que adianta a bolsa fechar com 120 mil pontos e não gerar um emprego? A verdade é que só tá saindo dinheiro e não tá entrando. Os caras vem (sic) aqui especular, ganham dinheiro na bolsa e vão embora”.

Infelizmente, essa visão de que a bolsa é apenas uma jogatina sem qualquer impacto sobre o crescimento econômico e o nível de emprego é a de boa parte da população brasileira. Contudo, essa declaração causa surpresa, pois há cerca de dez anos, o ex-presidente saudava a capitalização da Petrobras na B3 como o “momento mais auspicioso do capitalismo mundial”. Na época, dizia que o dinheiro arrecadado seria utilizado para aumentar a competitividade da economia brasileira e garantir um longo ciclo de desenvolvimento capaz de erradicar definitivamente a pobreza.

Quando as companhias decidem abrir seu capital na bolsa (IPO, na sigla em inglês), os controladores destinam parte das ações a outros sócios. Os recursos dessa venda podem ir para o caixa da companhia (oferta primária) ou para o bolso dos sócios originais (oferta secundária). Na primária, a companhia emite novas ações e o dinheiro da venda serve para fazer novos investimentos ou reduzir o endividamento.

Em regra, IPOs possuem parcela primária. Logo, a abertura de capital possui impacto direto sobre a economia. Os investimentos gerarão novos empregos e o pagamento das dívidas melhorará o fluxo de caixa, fortalecendo financeiramente a empresa para alçar voos maiores.

Depois que a companhia já tem as ações negociadas em bolsa é importante que elas se valorizem. Por quê? Porque a companhia pode precisar de novos investimentos. A empresa aberta possui a alternativa de fazer uma nova oferta, conhecida como subsequente (follow-on, em inglês). Em 2019, diversas empresas recorreram a esse expediente para captar recursos para investimentos como Magazine Luiza, Linx, Log in e muitas outras. Foi também o que fez a Petrobras em 2010.

A companhia arrecadou recursos para investir no pré-sal.

Além disso, companhias listadas tendem a ter custo para captação de empréstimo menor. As ações negociadas no mercado dadas como garantia são, em tese, de melhor qualidade do que os papéis de empresas de capital fechado, pois possuem liquidez e o valor da companhia é precificado de forma mais eficiente em decorrência da interação constante entre os agentes de mercado. Além disso, empresas abertas são mais transparentes, pois precisam divulgar periodicamente suas demonstrações financeiras.

Dessa forma, se os “caras vem (sic) aqui especular, ganham dinheiro na bolsa e vão embora”, tudo bem. Essa incursão já trouxe benefícios para a economia brasileira, tornando a preocupação do ex-presidente descabida. O ex-presidente tem outros problemas, mais agudos, para se preocupar.

A análise até agora se concentrou do lado das empresas. Mas ela beneficia também os investidores individuais e institucionais.

Por exemplo, a reserva dos fundos de pensão, inclusive os das estatais, cujos sindicatos são historicamente ligados ao partido do ex-presidente, possuem ações de empresas abertas. Elas contribuem para o pagamento de aposentadorias e pensões.

A forma como a população vê a bolsa de valores diz muito sobre o grau de desenvolvimento econômico e institucional de um país. Nos EUA, as empresas abertas são as “public companies”. Uma das explicações para serem consideradas públicas é a de que suas ações estão disponíveis a qualquer investidor ao contrário do que acontece nas empresas fechadas (“private companies”). Seus ativos contribuem para a poupança da população. No Brasil, companhias “públicas” são aquelas cujo controle pertence a um ente estatal. Contudo, depois de tantos escândalos, que beneficiaram apenas alguns grupos políticos e empresários, é possível dizer que elas atendem ao “público”, à população?

Há dez anos, a Petrobras fez uma das maiores capitalizações da história demonstrando de forma prática a importância do mercado de capitais para o desenvolvimento das empresas e da economia.

Infelizmente, boa parte dos recursos foram desperdiçados em propinas a agentes públicos e privados (R$ 6 bilhões, segundo a própria companhia) e em investimentos que trouxeram prejuízos ou baixo retorno à companhia, contribuindo para o crescimento insustentável da dívida da empresa.

A bolsa fez sua parte. Lamentavelmente, a alta administração da Petrobras, cujos dirigentes foram escolhidos em grande medida com o aval do partido do ex-presidente e de aliados, não. O mercado acionário gera riqueza. Basta ser utilizado da forma correta.