Valor Econômico, v. 20, n. 4889, 28/11/2019. Brasil, p. A10

Mercosul pode ser destruído por ‘marreta’ de eleito na Argentina, afirma chanceler

Fabio Murakawa


Em audiência na Câmara dos Deputados, o chanceler Ernesto Araújo disse ontem ver o presidente eleito da Argentina, Alberto Fernández, como uma pessoa “chegando perto da ponte” do Mercosul “com uma marreta” para tentar destruí-la.

Araújo participou de uma audiência pública na Câmara sobre a promoção da cultura brasileira no exterior. Mas, com o colegiado dominado por parlamentares de oposição, ele acabou questionado sobre diversos assuntos.

Um desses temas foi a entrevista ao Valor, publicada na segunda-feira passada, em que o chanceler disse que o Brasil repensaria a existência do Mercosul caso a Argentina adotasse uma postura protecionista no comércio e alinhada ao “bolivarianismo”.

Na audiência, Araújo afirmou ser intenção do governo Bolsonaro “preservar e construir pontes”. E comparou o Mercosul a uma ponte construída nos anos 1990. Mas, segundo ele, “essa ponte praticamente ruiu a golpes dos próprios governos dos dois países” entre 2003 e 2015. Esse período remete aos governos petistas de Lula e Dilma Rousseff, além de coincidir em boa parte com as administrações de Néstor e Cristina Kirchner no país vizinho.

“Tentamos remendar essa ponte”, afirmou o ministro, antes de fazer referência a Fernández. “Agora, nos preocupa ver uma pessoa, parece uma pessoa chegando perto da ponte com uma marreta para tentar destruir essa ponte. Se isso não se concretizar, tanto melhor.”

Fernández foi eleito em outubro, tendo a ex-presidente Cristina Kirchner como vice em sua chapa. Ele derrotou o atual governante, Mauricio Macri, aliado de Bolsonaro. Durante a campanha, Fernández visitou o ex-presidente Lula na prisão em Curitiba, o que desagradou Bolsonaro.

O presidente brasileiro, por sua vez, disse mais de uma vez ao longo do ano que, caso Fernández vencesse, a Argentina poderia se tornar uma nova Venezuela.

Bolsonaro já disse que não comparecerá à posse de Fernández, em 10 de dezembro. O argentino, por sua vez, convidou Lula, que confirmou sua presença na cerimônia em Buenos Aires.

Também ontem, Araújo negou que a sua gestão à frente do Ministério das Relações Exteriores tenha um “alinhamento automático” com os Estados Unidos.

“Não tenho nenhum tipo de alinhamento automático com EUA nem com nenhum outro país”, respondeu o ministro. “Também não temos nenhum tipo de desalinhamento automático com os EUA ou nenhum país, como aconteceu em governos anteriores.”

Araújo foi questionado por parlamentares sobre ações do governo Jair Bolsonaro para facilitar a deportação de brasileiros em situação ilegal nos EUA.

Segundo reportagens publicadas na imprensa nacional e internacional, o Brasil foi pressionado pela gestão Donald Trump e aceitou emitir certificados de nacionalidade aos brasileiros, que facilitam esse processo de expulsão. “Tudo o que fazemos é absolutamente dentro do marco legal.”

Araújo fez, então, referência a um projeto de lei (PL) que impede a concessão desse tipo de documento à revelia dos cidadãos. “Se tem um PL para que o certificado não possa ser emitido, isso significa que estamos agindo dentro do marco legal”, afirmou. “O Brasil tem uma política de Estado de não favorecer a imigração ilegal e respeitar as leis dos países onde os brasileiros estejam.”

Ele negou, no entanto, que o governo esteja fornecendo às autoridades migratórias americanas informações sobre brasileiros em situação ilegal que procuram auxílio consulados nos EUA.

“Mas, quando autoridades de outros países expulsam brasileiros, não pomos óbices a isso.”

Araújo também foi indagado sobre a invasão da embaixada da Venezuela em Brasília por apoiadores de Juan Guaidó, respaldado pelo governo Bolsonaro como legítimo presidente da Venezuela. O episódio ocorreu há duas semanas, durante a cúpula do Brics.

Ele disse que “não houve uma invasão propriamente”, porque alguns funcionários da embaixada teriam respaldado a ação.