Valor Econômico, v. 20, n. 4888, 27/11/2019. Finanças, p. C1

BC faz dois leilões e não segura dólar, que vai a R$ 4,24

Marcelo Osakabe
Juliana Machado
Lucas Hirata
Victor Rezende
Ana Carolina Neira


A turbulência no mercado de câmbio ganhou novas proporções ontem. O dólar ultrapassou as máximas históricas - chegou a ser negociado a R$ 4,277 no pico - e acabou por contaminar os negócios em outros segmentos do mercado. Influenciada por declarações dadas na véspera pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, a moeda americana retomou uma firme escalada logo nos primeiros minutos do pregão e nem as duas intervenções diretas promovidas pelo Banco Central no mercado foram capazes de inverter a direção do câmbio.

No fim da sessão, o dólar comercial era cotado a R$ 4,2394, alta de 0,63%. É uma nova máxima histórica desde o Plano Real. As atuações do BC afastaram a cotação das máximas do dia, mas não evitaram a nova alta. No mês, a moeda americana acumula forte valorização de 5,7% diante do real. A pressão intensa no câmbio trouxe incerteza ao investidor e acabou afetando o Ibovespa, que encerrou em queda de 1,26%, a 107.059 pontos. No mês, o índice acionário virou para o vermelho, com queda acumulada de 0,15%. No mercado de juros, por sua vez, os investidores reagiram zerando as apostas de um corte da taxa Selic para além daquele programado para dezembro.

Após o fechamento dos mercados, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse que foi observado um “movimento atípico no câmbio” e, por isso, a autoridade monetária optou pelas intervenções. Ele completou que, se o mesmo movimento for observado hoje, a intervenção será novamente colocada em prática. “Nós entendemos que era um momento onde o câmbio não estava funcional e fizemos duas intervenções, exatamente na linha do que tenho dito”, disse em evento em Brasília. “Se amanhã [hoje] entendermos que, de novo, existe movimento disfuncional, vamos voltar a fazer intervenção.” O presidente do BC afirmou ainda que “as intervenções não fazem com que o movimento de longo prazo seja revertido”, mas apenas “atenuam” o movimento.

Apesar do salto do dólar ter sido relacionado aos comentários de Guedes, profissionais de mercado consultados pelo Valor avaliam que o ministro apenas ajudou a reforçar um “caldo especulativo” que já estava sendo alimentado por fatores anteriores, como o fluxo cambial negativo no ano, a frustração com o leilão de excedentes da cessão onerosa, dados piores da conta corrente e as convulsões políticas e sociais na América do Sul.

Na noite da segunda-feira, em Washington, Guedes comentou que a taxa de câmbio mais elevada no país é consequência do novo regime fiscal e disse estar confortável com essa situação. “Quando você tem política fiscal mais forte e juro mais baixo, o câmbio de equilíbrio é mais alto”, observou o ministro.

O problema de comunicação das autoridades com relação à política cambial foi destacado por profissionais de mercado. Na visão de um deles, tanto Guedes como o presidente do Banco Central estariam sendo “liberais demais” sobre o tema. “O câmbio também traz alguma indicação de confiança. Essa mensagem do BC de ‘deixar o dólar ir embora’, em meio a todo esse movimento de fluxo, tira a vontade do investidor de ficar vendida no câmbio”, diz esse interlocutor. “O dólar sair de R$ 3,70 em agosto para R$ 4,20 em poucos meses é uma depreciação colossal. Quem tem investimentos para fazer no Brasil posterga porque não sabe onde vai parar essa brincadeira.”

Os problemas notados não se restringem a declarações oficiais, mas também a detalhes como a divulgação da revisão dos dados das contas externas, que trouxeram piora significativa nos números de conta corrente e do investimento externo. Ontem, houve críticas sobre a forma como o BC publicou as informações, sem uma apresentação ou um funcionário destacado para tirar as dúvidas do mercado.

Mesmo as declarações de Guedes, embora não tenham trazido nada de novo sobre o tema, ajudaram a criar ruído após o ministro reclamar que os comentários haviam sido feitos “em off” e representavam apenas a sua visão na pessoa física, não como ministro. “A entrada do BC foi mais para não dar um gás ainda maior para um movimento especulativo por conta da fala do ministro. É parte do mandato da autoridade preservar o valor da moeda e conter excessos de mercado”, diz uma fonte de tesouraria.

A perspectiva é que o câmbio fique pressionado no curto prazo, diz Dan Kawa, diretor de investimentos da Tag. “Quanto às perspectivas, concordo com Guedes: o câmbio está se ajustando para um novo patamar de equilíbrio”, diz. “Não sei se é R$ 4,00 a R$ 4,20 ou R$ 4,20 a R$ 4,40. Só saberemos com o tempo”, afirma.

Um diretor de tesouraria de um terceiro banco comenta que a alta do dólar também tem sido ajudada pelo forte ajuste na curva de juros. “O mercado estava todo na mesma ponta, apostando em mais cortes da Selic, mas agora precisou reduzir fortemente em alguns vértices mais curtos. Como há menor liquidez nesse mercado, alguns acabam se protegendo no dólar.”

A disparada da moeda americana reforça o sentimento de instabilidade e inibe, assim, o interesse na tomada de risco também na bolsa. Além disso, depois que o BC interveio duas vezes no mercado, há casas que se desfazem de posições em ações para aproveitar e demandar mais moeda. O crescimento econômico é, na visão de analistas, o que poderia garantir a entrada de recursos estrangeiros e, consequentemente, estabilizar o mercado - tanto de ações, quanto cambial.

“As declarações do Guedes contaminam a leitura do investidor. Como eu inverto esse ciclo do dólar? Atraindo capital. E, para isso, tem que continuar com discursos assertivos na agenda de crescimento”, diz Fernando Barroso, diretor da asset da CM Capital Markets. “A grande verdade é que o dever de casa do Brasil não está feito, ele só começou. ”

Sobre a situação do mercado nos próximos dias, um dos profissionais ouvidos acredita que o movimento de especulação deve arrefecer, principalmente depois da segunda intervenção do BC, que demonstra uma intenção mais resoluta em conter essa corrida. “Agora, o fato de que o BC tenha precisado entrar duas vezes no mercado e mesmo assim ele caminhar para encerrar em alta arranha ainda mais a imagem da instituição. ” (Colaboraram Mariana Ribeiro e Estevão Taiar, de Brasília)