Valor Econômico, v.20, n. 4924, 22/01/2020. Brasil p.A4

 

Previdência vira ‘cipoal de normas’ nos Estados


Mudanças devem trazer diferença entre entes nas idades mínimas de aposentadoria e de alíquotas de contribuição previdenciária dos inativos

Marta Watanabe

A retirada dos Estados e municípios da reforma previdenciária aprovada em âmbito federal deve criar grandes diferenças nas condições de aposentadoria entre os servidores dos governos regionais. Enquanto alguns governadores conseguiram aprovar a idade mínima de acordo com as mudanças em âmbito federal e aplicar novas regras de cálculo dos benefícios, outros se limitaram apenas a seguir a mudança de alíquota da contribuição previdenciária, obrigatoriamente estabelecida a Estados e municípios com déficit atuarial pela Emenda Constitucional 103/2019.

Mesmo nesse item obrigatória, há grandes diferenças nas novas contribuições que deverão ser exigidas dos aposentados, uma base considerada importante por analistas. Dados levantados pelo Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV) mostram que em 2017, para cada 100 servidores estaduais ativos do Regime Próprio de Previdência Social (RPPS) existiam 88 inativos ou pensionistas. Em Estados como Rio Grande do Sul, Minas Gerais e Rio de Janeiro o número de inativos superava o de funcionários em atividade.

Como a definição de mudanças na área previdenciária ficou a cargo de cada Estado, diz George Santoro, secretário de Fazenda de Alagoas, está se criando um “cipoal de normas estaduais”. “Essa verdadeira bagunça de legislações estaduais e municipais, acabará com a antiga uniformidade nas regras previdenciárias de concessão e metodologia de cálculos, principalmente quanto as idades mínimas e tempo de contribuição das aposentadorias voluntárias”, diz ele.

Além de Alagoas, Estados como Ceará, Goiás, Espírito Santo, Paraná e Acre estão entre os que fizeram alterações na idade mínima de aposentadoria. No Rio Grande do Sul foi aprovada uma lei complementar que também regulamenta as idades mínimas. Há ainda proposta de emenda constitucional e outros projetos de lei complementar tramitando na Assembleia gaúcha.

Os servidores civis do regime próprio nos Estados que conseguiram fazer a alteração na idade mínima seguirão, na regra geral, os parâmetros da reforma em âmbito federal: 62 anos para mulheres e 65 anos para homens. Há algumas diferenças nas normas de transição e cálculo dos benefícios, conforme o Estado. São Paulo e Paraíba estão entre os entes que também propõem a alteração, mas ainda não foi aprovada pelas respectivas assembleias. Já as mudanças propostas pelos governos dos Estados de Maranhão, Pernambuco, Amazonas e Mato Grosso não tocaram no assunto e ficaram apenas nas alterações obrigatórias de alíquotas previdenciárias.

Segundo a EC 103, Estados e municípios com déficit atuarial nos regimes próprios têm até o fim de julho para adequar suas alíquotas à reforma aprovada em âmbito federal. Pela emenda e pela Portaria 1.348/19, esses Estados podem optar por estabelecer alíquota mínima de 14% da contribuição previdenciária dos servidores ou seguir uma tabela progressiva. Nesse caso, o parâmetro deve ser a tabela que está prevista na emenda. As alíquotas estabelecidas na emenda vão de 7,5% a 22%, conforme a faixa salarial.

A portaria diz que as alíquotas deverão estar embasadas em avaliação atuarial demonstrando que as cobranças resultarão em equilíbrio financeiro e atuarial do regime próprio.

A cobrança de contribuição previdenciária dos aposentados sempre foi tema controverso, mas, com a reforma, os Estados e municípios foram autorizados a cobrar a contribuição previdenciária de aposentados a partir da faixa de um salário mínimo.

Nesse ponto é que há grande diversificação. Alagoas vai cobrar contribuição de 14% acima de um salário mínimo, no caso dos inativos. Ceará, a mesma alíquota a partir de dois salários mínimos. No Paraná a contribuição para aposentados aprovada foi a partir de três salários mínimos. No Espírito Santo, a alíquota de 14% sobre inativos será cobrada apenas acima do valor do teto do benefício do Regime Geral da Previdência, que atualmente é de R$ 6.101,06. Em Mato Grosso, a contribuição de 14% incidirá a partir de R$ 3 mil para aposentados.

Roberto Moisés dos Santos, presidente da Alagoas Previdência, que administra o regime próprio dos servidores do Estado, diz que a opção do governo local foi de utilizar os instrumentos dados pelo novo texto constitucional no máximo esforço para redução do déficit atuarial da previdência. Para ele, cabe ao Ministério da Economia verificar se todos os entes fizeram isso.

Santoro destaca que, em Alagoas, de 2017 a 2019 o número de inativos e pensionistas aumentou e ultrapassou o de ativos. Em 2017, para cada 100 servidores em atividade, existiam 88 aposentados e pensionistas no Estado. Uma mudança de alíquota de 11% para 14% sobre os inativos, diz ele, sem mudar a base de cálculo, daria fôlego de dois ou três anos para a Previdência. Para mudar a trajetória, diz ele, é preciso ampliar a base de cobrança. As medidas da reforma em Alagoas, diz Santoro, reduzem o déficit financeiro previdenciário do Estado projetado para 2020 de 15,5% para 9,8% da receita corrente líquida.

No Espírito Santo, o procurador-geral do Estado, Rodrigo de Paula, diz que em relação às contribuições previdenciárias, o Estado optou por seguir o mínimo estabelecido pela EC 103/19. Por isso adotou a alíquota de 14% para os ativos e, para os aposentados, a cobrança da alíquota somente a partir do teto do Regime Geral da Previdência. Mas a reforma capixaba já aprovada também abarca outras mudanças de impacto no longo prazo como as idades mínimas para aposentadoria, regras para transição e para acúmulo de aposentadorias. Segundo o procurador, a economia calculada é de R$ 3 bilhões em dez anos.

Carlos Eduardo Xavier, secretário de Tributação do Rio Grande do Norte, diz que o governo estadual deve enviar a proposta de reforma estadual no início de fevereiro. Xavier diz que o Estado estuda propor uma tabela progressiva, mas diferente da que está na EC 103/19, com alíquotas de 11% a 18%, conforme a faixa salarial. Para os aposentados devem ser propostas as mesmas alíquotas, mas com isenção para até um salário mínimo. Somente com essas mudanças, diz Xavier, espera-se um impacto de R$ 2,5 bilhões em dez anos. Segundo o secretário, a proposta do governo deverá conter novas idades mínimas para aposentadoria, mas possivelmente serão diferentes das adotadas em âmbito federal e ainda não estão definidas.

Para o economista Marcos Lisboa, foi um retrocesso a retirada de Estados e municípios das principais medidas da EC 103. Da forma como ficou, avalia, a reforma nos governos regionais tende a ficar “mal conduzida”. Perdeu-se, diz, a oportunidade de dar aos Estados e municípios uma solução mais rápida e importante para o reequilíbrio fiscal, o que deve resultar em degradação cada vez maior da infraestrutura, dada a falta de investimentos estaduais, e em adoção de artifícios cada vez mais “criativos” para a elevação de receitas.

A chamada PEC Paralela (PEC 133/2019) possibilita estender a Estados e municípios a reforma previdenciária, mas ainda não foi votada pela Câmara dos Deputados, o que levou os Estados a adotar iniciativas próprias para garantir mudanças nas regras de aposentadoria dos servidores.

Em alguns Estados a reforma previdenciária não é considerada suficiente para o reequilíbrio fiscal. Cristiane Schmidt, secretária de Fazenda de Goiás, diz que a reforma goiana aprovada iguala o Estado às condições da EC 103. Foram aprovadas também, diz ela, ao fim de 2019, a reforma do estatuto do servidor e do magistério, que acabam com quinquênios e algumas licenças.

Essas reformas, diz Cristiane, devem dar uma margem de folga de R$ 500 milhões ao orçamento de 2020, pelas previsões atuais. Os maiores impactos, avalia, virão no médio e longo prazos. Mesmo com esse fôlego, a secretária diz que Goiás mantém o pleito para aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF), que, entre outros benefícios, traria a suspensão de pagamento da dívida com a União. Hoje o Estado, lembra, tem liminar judicial a seu favor, mas a entrada no regime traria essa suspensão de forma automática.