Valor Econômico, v.20, n. 4923, 21/01/2020. Opinião p.A8

 

Previsões do FMI para a economia frustram Davos


Economia não só foi fraca em 2019, mas também teremos que contar com mais dois anos de crescimento baixo

As previsões do Fundo Monetário Internacional (FMI) para a economia global, divulgadas ontem no Fórum Econômico Mundial, foram um balde de água fria nas expectativas da seleta audiência reunida na simpática comuna de Davos, nos Alpes suíços. Frequentado geralmente por chefes de Estado desejosos por atrair investimentos internacionais e altos executivos interessados em se atualizar em temas de ponta, o Fórum Econômico Mundial contava com algum otimismo da parte da diretora-gerente do Fundo, Kristalina Georgieva e sua equipe.

Os mercados financeiros vinham manifestando mais animação após a assinatura do acordo que aliviou a tensão comercial entre os Estados Unidos e a China, na semana passada. Mas o FMI não pareceu compartilhar o mesmo grau de otimismo. Apesar de ter reconhecido que alguns riscos diminuíram com o anúncio da fase 1 do acordo entre Pequim e Washington e com a maior probabilidade de um acordo para o Brexit, a mensagem do FMI ao globo foi que a economia não só foi fraca em 2019, mas também teremos que contar com mais dois anos de crescimento baixo. Pelo menos até 2021, a economia deve crescer a uma taxa anual inferior aos 3,6% registrados em 2018.

Na verdade, o FMI até reduziu as projeções feitas em outubro. O crescimento esperado para 2019 foi reduzido de 3% para 2,9%. A projeção para este ano caiu 0,1 ponto, de 3,4% para 3,3%; e a estimada para 2021, recuou de 3,6% para 3,4%. Ajustes pequenos, mas com viés negativo. Ainda assim, são previsões acima das divulgadas pelo Banco Mundial há cerca de dez dias, antes do acordo comercial, quando informou esperar crescimento de 2,4% em 2019 e de 2,5% neste ano.

Kristalina Georgieva salientou que os números do FMI embutem uma estabilização e a expectativa com uma retomada, que ainda não foi detectada. Disse que quatro palavras sintetizavam a análise: “Estabilização provisória e recuperação lenta”.

A economista-chefe do Fundo, Gita Gopinath, explicou a revisão para baixo dos números pela redução do crescimento esperado para a Índia, em consequência de problemas do setor financeiro não bancário e da economia rural. A previsão para a China foi elevada em 0,2 ponto percentual, para 6% neste ano, após a retomada das negociações com os Estados Unidos. No entanto, o estrago feito pela briga de Trump com os chineses não será apagado. Gita informou que, se a fase 1 do acordo vingar, a expectativa é que o impacto negativo das tensões na redução do Produto Interno Bruto (PIB) global apenas diminuía ligeiramente, de 0,8 ponto para 0,5 ponto.

Gita também manifestou apreensão com o fato de a recuperação global estar nas mãos de economias emergentes que claramente estão sob pressão, como a Argentina, Irã e Turquia; ou vêm se comportamento abaixo do esperado, como o Brasil, Índia e Marrocos. Na média, os mercados emergentes devem crescer 4,4% neste ano e 4,6% no próximo, em comparação com 3,7% em 2019. Já as economias avançadas devem desacelerar ainda mais, passando de 1,7% de crescimento em 2019 para 1,6% neste ano, repetindo a dose em 2021. A previsão para o Brasil, um dos poucos países cuja revisão foi para cima, é que o crescimento passará de 1,2% em 2019 para 2,2% neste ano e 2,3% em 2021. Gita comentou que as novas regras da Previdência e a queda dos juros ajudaram, mas acrescentou que outras reformas econômicas devem ser levadas adiante.

A avaliação geral é que os riscos diminuíram. Porém, ainda estão no horizonte e há outras incertezas como a tensão no Oriente Médio e problemas climáticos. Para piorar, os países dispõem de poucos instrumentos para animar a economia. Os juros estão em patamares historicamente baixos e há pouco espaço fiscal para medidas de estímulo. Desde a crise financeira global, 29 bancos centrais fizeram 71 cortes de juros, em uma política acomodatícia sincronizada, que adicionou 0,5 ponto de crescimento à economia, evitando uma recessão global, contabilizou a diretora-gerente do FMI. Ela reconheceu também que muitos países já recorreram a instrumentos fiscais.

Kristalina Georgieva sublinhou a necessidade de cooperação entre os países. Para ela, o início desta década apresenta alguns paralelos com os anos 20 do século passado, como a desigualdade acentuada, a rápida disseminação da tecnologia e riscos e prêmios elevados no setor financeiro. “Para que a analogia pare por aí e não vá além, é absolutamente crítico que os países ajam de modo coordenado e cooperativo”, salientou.