Valor Econômico, v. 20, n. 4814, 14/08/2019. Brasil, p. A4

Instituto quer que STF apresse julgamento dos decretos de armas

 Mariana Muniz 
 Fábio Murakawa


 

O Instituto Sou da Paz vai acionar hoje o Supremo Tribunal Federal (STF) para que o plenário julgue logo as duas ações de inconstitucionalidade sobre os decretos de armas que tramitam na corte. A entidade vai protocolar duas petições com o argumento central de que a Presidência da República cometeu fraude processual ao transformar um decreto em três documentos diferentes.

Em uma resposta obtida pelo instituto via Lei de Acesso à Informação (LAI), a Casa Civil admite que os decretos de armas publicados em junho, às vésperas do julgamento no Supremo do antigo decreto, são apenas uma "cisão" dos decretos de maio, feitas a pedido do ministro-chefe Onyx Lorenzoni.

As duas ações que contestam o decreto - uma apresentada pelo partido PSB e outra pelo Rede - seriam julgadas no plenário em 26 de junho. No entanto, às vésperas do julgamento, o Planalto publicou os três novos textos que revogaram os dois antigos. As alterações motivaram a Advocacia-Geral da União (AGU) a requerer o adiamento do julgamento, pedido que foi acolhido pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli.

Nos pedidos apresentados pelo Sou da Paz aos ministros Edson Fachin e Rosa Weber, relatores das ações, a entidade aponta que a resposta apresentada pela Casa Civil reconhece que o conteúdo dos três novos decretos não tem qualquer diferença com relação aos antigos. A Casa Civil é o órgão que é responsável pelas análises técnicas e jurídicas dos atos da Presidência.

"A resposta dos pedidos não poderia ter tornado a fraude processual mais patente: a Subchefia de Assuntos Jurídicos da Casa Civil informou que tais decretos representam apenas parte da cisão do Decreto nº 9.785, de 7 de maio de 2019, solicitada pelo Sr. Ministro de Estado Chefe da Casa Civil, tendo sido mantida hígida a parte normativa", diz um dos pedidos, a que o Valor teve acesso com exclusividade. Por isso, diz a réplica oficial, os três decretos não precisaram vir acompanhados de "notas, pareceres, ofícios pela Subchefia para Assuntos Jurídicos (SAJ)".

O instituto afirma que as respostas atestam a fraude processual: o fato de que os novos decretos, mesmo apresentados como novos, não traziam mudanças com relação aos antigos - foram apenas uma forma de impedir o julgamento. E pede ao Supremo que coíba o que chama de "ato atentatório à dignidade da Justiça e à autoridade do tribunal" por meio da imediata inclusão em pauta das ações.

"Os autores das ações do STF e nós publicamente denunciamos que as publicações de junho eram manobras para frustrar a jurisdição e de certa forma enganar e desrespeitar o STF e o Congresso. A resposta da Casa Civil, ao afirmar que os decretos de junho não tiveram qualquer estudo e trataram de 'simples cisão' dos decretos de maio, são uma comprovação destas manobras e precisam ser refutadas pelo STF e Congresso", afirma Bruno Langeani, diretor do Sou da Paz.

Na avaliação do advogado Daniel Sarmento, professor da faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), a presidência lançou mão de uma "chicana processual" para ganhar tempo e fazer com que o Supremo não analisasse os decretos. "A fraude processual é clara neste caso, e o STF, diante disso, precisa analisar logo os textos legislativos", disse. Procurada, a Casa Civil e a SAJ não se pronunciaram até a conclusão desta reportagem.