Valor Econômico, v.20, n. 4923, 21/01/2020. Política p.A5

 

Regina Duarte sinaliza que aceita Secretaria da Cultura


Presidente convida atriz para assumir cargo no governo

Fabio Murakawa

Matheus Schuch

A atriz Regina Duarte sinalizou que aceitará o convite do presidente Jair Bolsonaro para assumir a Secretaria da Cultura. Eles se encontraram ontem em uma sala no aeroporto Santos Dumont, no Rio, ao final de uma visita do presidente à capital fluminense.

Em nota, o Palácio do Planalto informou que, “após conversa produtiva” com Bolsonaro, “Regina Duarte estará em Brasília na próxima quarta-feira, 22, para conhecer a Secretaria Nacional de Cultura do governo federal”. Ainda segundo a nota, a atriz teria dito após o encontro: “Estamos noivando”.

Bolsonaro usou a mesma metáfora ao desembarcar em Brasília, no fim da tarde. À porta do Palácio da Alvorada, onde era esperado por fãs e jornalistas, ele fez um único comentário: “Fiquei noivo dela Fiquei noivo da Regina Duarte, tivemos uma conversa bacana”.

Presente ao encontro, o ministro Luiz Eduardo Ramos (Secretaria de Governo) disse ao Valor que Regina Duarte não fez nenhuma exigência a Bolsonaro. Ela disse apenas que pretendia trabalhar por “uma cultura voltada para a família e para o povo”.

Ramos afirmou ainda que Bolsonaro não recriará o antigo Ministério da Cultura. “[A Cultura] vai continuar sendo secretaria e subordinada ao Ministério do Turismo”, afirmou o ministro.

Questionado pelo Valor sobre se “quem está noivo é porque aceitou o convite de casamento”, Ramos respondeu: “Você está fazendo a leitura correta”.

A indicação agrada outras fontes do governo com quem o Valor conversou ontem sob condição de anonimato. Ela é vista como alguém “do mesmo campo ideológico” do presidente, mas com menor potencial de gerar polêmicas do que o antecessor, Roberto Alvim - demitido na sexta-feira após publicar um vídeo com diversas referências nazistas.

Essas fontes, no entanto, preveem dificuldades para a atriz, que deve trabalhar em uma pasta recheada de adeptos do escritor Olavo de Carvalho e pessoas com ideias controversas. Entre essas pessoas, está o presidente indicado para a Fundação Palmares, Sérgio Nascimento de Camargo, que se diz um “negro de direita” e afirmou em rede social que a escravidão foi benéfica para os descendentes de negros no Brasil. Espera-se de Regina também uma relação menos belicosa com a classe artística do que a que Alvim mantinha.

Ontem, dia de São Sebastião, a atriz fez uma publicação no Instagram dizendo-se “cristã e católica” e que “nada acontece por acaso”.

“Olha só, querido seguidor, que dia importante para ter sido chamada no Rio para uma conversa olho no olho do nosso presidente da República”, escreveu. “Olha quanto simbologia contém a vida deste homem santo. Tenho sido e quero continuar sendo grata à vida por tudo que ela me apresenta. De tudo quero tirar uma lição, um aprendizado. E vambora! Com muito amor no coração.”. Ela, no entanto, colocou uma imagem de Santo Expedito para ilustrar a postagem.

Ontem, a Rede Globo divulgou nota na qual informa que “a atriz Regina Duarte tem contrato vigente com a Globo e sabe que, se optar por assumir cargo público, deve pedir a suspensão de seu vínculo com a empresa, como impõe a nossa política interna de conhecimento de todos os nossos colaboradores”. 

 

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Atriz diz que foi e continua sendo conservadora


Regina Duarte não escondeu seu posicionamento político ao longo de suas cinco décadas de atuação

 

Cristiane Agostine

Regina Duarte sempre foi e continua sendo conservadora, segundo suas próprias palavras. Nunca foi feminista. A protagonista de Malu Mulher, programa considerado feminista e de vanguarda, exibido entre 1979 e 1980, classificou a personagem como uma chata, autoritária, dona da verdade e que representa aquilo que a atriz nunca quis ser. Nascida no interior de São Paulo, filha de um tenente reformado do Exército e de uma dona de casa católica fervorosa, Regina manteve-se alinhada ao “rigor” e à “disciplina”, e não escondeu seu posicionamento político ao longo de suas cinco décadas de atuação, em que pese as críticas que recebeu.

Aos 72 anos, o rótulo de “terrorista”, que lhe foi dado por críticos em 2002 ao dizer que tinha medo do que poderia acontecer no Brasil com a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à Presidência, foi substituído pela pecha de “fascista”, ao apoiar o presidente Jair Bolsonaro. As afirmações são da própria atriz, registradas em entrevista ao jornalista Pedro Bial, no programa “Conversa com Bial”, da TV Globo, em maio de 2019.

Oito meses antes de receber o convite de Bolsonaro para comandar a Secretaria Especial da Cultura, feito ontem, Regina criticou a política de patrocínio do governo federal e disse que os recursos deveriam ser destinados apenas aos “novos talentos”, a quem está “iniciando nas artes” e à cultura regional. Para Regina, o governo deveria ficar fora “dessa história de patrocínio”. “Uma coisa a menos para o Estado tomar conta”.

A atriz disse que o governo deveria apostar no financiamento coletivo, em plataformas digitais, para captar recursos de pessoas físicas e jurídicas para a produção de eventos culturais. “Seria uma relação de âmbito privado. O produtor recebe e presta contas às empresas diretamente. A empresa dá patrocínio direto, não deduz imposto ao patrocinar a cultura. Gente famosa, que vende seus produtos, não demoraria para achar patrocinadores”, afirmou na entrevista. Sobre a Lei Rouanet, defendeu “rigor na prestação de contas”. Ao ver a atriz ler as propostas escritas em uma folha de papel, Pedro Bial brincou que Regina poderia ser ministra da Cultura, se ainda existisse a Pasta. “Imagina! Mas me chama para o conselho [de cultura]”, disse, mostrando que gostaria de participar da gestão Bolsonaro.

Casada com o pecuarista Eduardo Lippincott, Regina foi uma das poucas artistas a defender Bolsonaro em 2018. Na campanha presidencial, a atriz disse acreditar que Bolsonaro é um “cara doce” e a homofobia dele “é da boca para fora”. Ao jornal “O Estado de S. Paulo”, afirmou que declarações racistas e homofóbicas são frutos de um “homem com humor brincalhão típico dos anos 50”.

Dois anos antes, em 2016, a atriz também foi em sentido contrário a maioria de seus pares ao defender o fim do Ministério da Cultura, em apoio à decisão do governo Michel Temer de extinguir a Pasta.

Ao longo da carreira, Regina apoiou as candidaturas presidenciais de Fernando Collor de Mello, Fernando Henrique Cardoso, José Serra e do então candidato a prefeito de São Paulo João Doria (PSDB). A atriz participou de manifestações em favor do impeachment da então presidente Dilma Rousseff, dos atos em defesa da Operação Lava-Jato e do ex-juiz Sergio Moro, atual ministro da Justiça e Segurança Pública, e dos protestos contra decisões do Supremo Tribunal Federal. Regina tem participado ainda, pela internet, da divulgação do partido que Bolsonaro está criando, o Aliança pelo Brasil.