Valor Econômico, v.20, n. 4931, 31/01/2020. Valor investe p.C10

 

Precisamos falar sobre sustentabilidade

 

Zeca Doherty


Investidor brasileiro ainda não tem os critérios ASG como premissas para a alocação de seu dinheiro, mas isso tende a ganhar corpo, especialmente com a chegada das novas gerações ao mundo dos investimentos

Uma leitura atenta deste mesmo Valor nas últimas semanas nos sinaliza o crescente interesse pelo tema da sustentabilidade atrelado à sobrevivência dos negócios.

Para citar apenas alguns exemplos: a BlackRock anunciou mudanças em sua estratégia de investimento. A maior gestora de ativos do mundo avisou que a sustentabilidade passará a ser considerada na construção do portfólio e na gestão de risco.

Alguns dias depois, em Davos, na Suíça, onde as lideranças globais discutiram os rumos da economia mundial, temas como aquecimento global, desmatamento e fontes de energia limpa pautaram diversos encontros dentro da programação oficial do fórum.

Em consonância com o que se ouviu em Davos, o presidente do Banco Central brasileiro, Roberto Campos Neto, destacou que o fluxo financeiro entre os países já é influenciado por questões ambientais.

Os sinais são claros: os modelos de negócios precisam considerar cada vez mais os aspectos ambientais, sociais e de governança (os chamados critérios ASG). O senso de urgência em torno do assunto só aumenta, enquanto, no Brasil, o tema permanece periférico. A indústria brasileira de investimento ainda não enxerga nele uma variável capaz de alterar sobremaneira a dinâmica da gestão de recursos.

Por aqui, em torno de 20% dos gestores possuem uma política específica para tratamento de investimento responsável. O dado é de pesquisa da Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais) realizada a cada dois anos para medir o engajamento dos gestores em questões ambientais, sociais e de governança na hora de decidir onde aportar investimentos. O mesmo levantamento indica que apenas um terço dos gestores tem metas ou objetivos para integração dos aspectos ASG às práticas de negócios.

Como muito bem destacado pelo CEO da BlackRock, Larry Fink, os riscos de investimento apresentados pelas alterações climáticas - e eu acrescento aqui os riscos decorrentes de práticas relacionadas aos aspectos ASG - deverão acelerar uma realocação significativa do capital, com consequente impacto na precificação do risco e dos ativos em todo o mundo.

A Europa saiu na frente quanto à atenção dedicada ao tema. Lá o movimento foi liderado não apenas pelos investidores, mas por toda a sociedade. Na busca por investimentos que gerassem impactos mais positivos para a sociedade, investidores, indústria e reguladores abraçaram o tema. O movimento desencadeou ações que resultaram em um plano de trabalho sobre como tratar as finanças sustentáveis. A decisão foi levar a sustentabilidade para o campo da regulação, a exemplo da Diretiva da União Europeia 2016/2341, que tornará obrigatória, por parte dos investidores institucionais e gestores de recursos, a divulgação de como abordam as questões ASG em suas análises de risco.

Há uma tendência de aumento no fluxo de recursos destinados aos investimentos ASG. A preferência por aplicações que levam em consideração esses fatores é crescente, especialmente entre as novas gerações. Isso indica a urgência em se encarar o tema com seriedade, pois os futuros investidores já batem à porta dos gestores cobrando alocações mais responsáveis.

Estudo da Sustainable Investment Alliance mostra que, em 2019, o estoque total de investimentos ASG alcançava US$ 30,7 trilhões, com aumento de 34% em relação ao levantamento anterior, de 2016. Tão importante quanto o volume é a indicação de que os investimentos ASG serão o tipo mais representativo na Europa, nos Estados Unidos, no Canadá, no Japão e na Austrália nos próximos anos.

As análises comprovam uma correlação positiva entre a adoção de fatores ASG e a performance financeira das empresas, principalmente no longo prazo. Assim, não existe mais espaço para o discurso de que a preocupação com aspectos socioambientais e de governança sacrifica o lucro e o bom desempenho financeiro. Ao contrário. Ao direcionar recursos para empresas que geram impactos positivos do ponto de vista socioambiental e de governança, o mercado incentiva um círculo virtuoso em favor da sustentabilidade.

Ganham os gestores, ao antecipar a avaliação de riscos das companhias e ao atrair investidores estrangeiros e institucionais, cada vez mais atentos a investimentos sustentáveis.

Ganham as empresas, que recebem os investimentos ao se diferenciarem pela adoção de práticas sustentáveis. Ganham os investidores, que obtêm retorno ao mesmo tempo em que priorizam investimentos com propósito. E ganha toda a sociedade, que, ao premiar empresas sustentáveis e investidores com propósito, estimula a multiplicação de ambos.

A construção de uma cultura em favor da sustentabilidade se dá a partir da disseminação de informações e da adoção de boas práticas. Afinal, uma sociedade bem informada é capaz de fazer escolhas conscientes e responsáveis. No Brasil, o tema vem sendo abordado por entidades dos setores público e privado. Como parte desse esforço, a Anbima publicou recentemente um relatório com recomendações de critérios mínimos para elaboração da política de investimento para auxiliar os gestores na inclusão dos aspectos ASG em sua análise de investimento.

Esses profissionais têm o chamado dever fiduciário, ou seja, a obrigação de zelar pelo interesse do investidor, definindo o portfólio capaz de proporcionar retorno ajustado ao risco. Levar em consideração questões ambientais, sociais e de governança na decisão dos investimentos está alinhado a esse dever.

O investidor brasileiro ainda não tem os critérios ASG como premissas para a alocação de seu dinheiro, mas isso tende a ganhar corpo, especialmente com a chegada das novas gerações ao mundo dos investimentos. Cabe aos gestores estarem atentos e buscarem ativos que atendam à expectativa dos clientes. O assunto não pode mais ser periférico. É hora de trazê-lo para o centro da discussão.