Valor Econômico, v.20, n. 4931, 31/01/2020. Política p.A11

 

Reforma administrativa é mais fácil de aprovar, afirma Guedes

 

Anais Fernandes

Thais Carrança

A reforma administrativa, que vai propor mudanças à carreira do funcionalismo público, será encaminhada pelo governo ao Congresso Nacional em até duas semanas, afirmou ontem o ministro da Economia, Paulo Guedes. “Em uma ou duas semanas o negócio chega lá”, disse durante o evento “Apoie a Reforma”, organizado pelo Centro de Liderança Pública (CLP) em São Paulo.

Na avaliação de Guedes, a reforma administrativa é a mais simples de aprovar justamente porque foi “desidratada” para preservar os direitos dos servidores atuais. “Ela praticamente não tem oponentes, está muito simples de aprovar”, afirmou Guedes. “Se a gente quiser, ouvindo a opinião pública, turbinar a proposta e colocar meritocracia, incluir também os atuais, aí pode ser que tenha alguma oposição.”

Segundo Guedes, o próprio presidente Jair Bolsonaro defendeu que a reforma só afetasse os futuros ingressantes na carreira, mas o ministro observou que o Congresso é o responsável pelo processamento político da matéria. Excluir os servidores na ativa do projeto “é uma restrição política” e cabe ao Congresso lidar com essa dimensão do debate, de acordo com Guedes. “Se não é possível politicamente aplicar para quem está hoje, coloca um filtro pelo menos para o futuro.”

Uma ideia, disse Guedes, é que o novo servidor tenha que provar ser bom funcionário para ganhar estabilidade. “O meu conselho é que acelere isso [a aprovação da reforma]. Se demorar mais um ou dois anos, vai cair a estabilidade do funcionalismo público atual também, porque o buraco vai ficando cada vez mais aparente e vai chegar um momento em que a opinião pública vai dizer ‘tem que cortar’”, afirmou.

Em relação a outras reformas, Guedes disse que o governo vai “encaminhar tudo”, mas reforçou que a priorização dos temas caberá aos parlamentares. Sobre a reforma tributária, o ministro afirmou que “adoraríamos que pudesse ser feita em três a seis meses”, mas disse que o governo não quer “invadir território alheio”, em referência à unificação de impostos estaduais e municipais, além dos federais.

De acordo com Guedes, pessoas que ajudaram a formular a proposta do Imposto sobre Valor Agregado (IVA) único falaram na aplicação de uma alíquota de 25%. “Tem gente dizendo que, se for colocar os municípios dentro, chega a 30%”, disse. “O comércio e os serviços brasileiros não aguentam um nível de 30%.”

Guedes reafirmou que a proposta do governo, com a unificação de impostos federais, não será enviada via Proposta de Emenda à Constituição (PEC). “Vamos mandar propostas que possam ser examinadas e acopladas à do [deputado federal] Baleia Rossi na Câmara”, disse, citando como exemplos mudanças em tributos seletivos e Imposto de Renda.

A reforma do pacto federativo, por sua vez, que já tramita no Congresso, foi considerada por Guedes a mais importante, “porque coloca a classe política no comando do orçamento público brasileiro”, mas também a mais complexa.

Guedes aproveitou o discurso para comemorar os juros baixos. Segundo o ministro, com a Selic a 4,5%, as despesas do governo com juros devem cair R$ 120 bilhões entre um ano e outro.

 

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Maia reforça cobrança ao governo


Expectativa é que as reformas administrativa e tributária sejam aprovadas este ano

André Guilherme Vieira

 

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), voltou a cobrar, ontem, rapidez do Executivo para tocar a agenda econômica. “Não tenho como avançar na reforma administrativa sem o governo me encaminhar sua proposta”.

Maia também rebateu Guedes, que atribuiu ao Legislativo o atraso no encaminhamento da proposta da reforma administrativa. O presidente da Câmara e o ministro da Economia participaram de evento em que se debateu a agenda econômica e as reformas e que foi realizado em um hotel em São Paulo.

Guedes compareceu pontualmente ao seminário, diferentemente de Maia, que se atrasou em razão do trânsito. Por isso, o ministro da Economia falou antes do presidente da Câmara. Entretanto, Maia chegou ao local a tempo de ouvir - e de se irritar - com a parte final da fala do ministro.

“A nós [Poder Executivo] cabe só encaminhar a estrutura [dos projetos], e eles [o Congresso] vão dizer em que ritmo eles querem assumir isso. A classe política sentou no comando da economia, acabou o superministro [da Economia], não tem mais isso”, disparou Guedes.

Maia não escondeu a contrariedade com o discurso do ministro, o questionou e classificou seus argumentos de “narrativa”.

“Não é bem assim, o cronograma tem atraso por parte do Congresso e por conta do governo. Só tem de tomar cuidado com esse negócio de que atrasou o envio da reforma administrativa para que não fique tudo nas costas do Parlamento”, afirmou.

Em seguida, Maia disse em entrevista coletiva que é preciso que os Poderes trabalhem conjuntamente para garantir que as reformas sejam aprovadas.

“O que eu digo é que os Poderes não são independentes e a independência não significa cada um trabalhar no seu canto, é a harmonia que gera os bons resultados”.

Na sequência, o presidente da Câmara procurou pontuar a crítica feita ao ministro da Economia.

Eu não gosto de ficar fazendo esse tipo de crítica, até porque pode gerar outra interpretação (...) Mas, de fato, aqueles dias entre o 1º e o 2º turnos no recesso [parlamentar], eles não podem ser responsáveis pelo não envio [da proposta de reforma] administrativa”, afirmou.

Segundo Maia, “o pacto federativo foi prometido para abril, para junho e só foi enviado em novembro. Acho que essa narrativa [de Guedes], ‘eu fiz a minha parte, você faz a sua’... O Poder Executivo tem de ter presença, diálogo”, completou.

O presidente da Câmara prosseguiu rebatendo o ministro da Economia, durante a entrevista.

“Então, na hora em que ele [Guedes] fala, ‘agora é com o parlamento’, não. Agora o parlamento vai trabalhar junto com ele, junto com a equipe econômica, para mostrar à sociedade e aos deputados a importância que tem a reforma administrativa, a tributária, a importância que tem a modernização das leis brasileiras”.

Sobre o andamento das reformas, Maia disse que está otimista com os encaminhamentos.

“Acho que as duas podem caminhar, uma vota no primeiro período, a outra vota no outro. O importante é que as duas caminhem”.

O presidente da Câmara afirmou também que as duas reformas devem ser aprovadas este ano.

 

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Junção de municípios precisa de consulta, diz relator


Governo aposta na aprovação das propostas sobre pacto federativo no Senado

Anais Fernandes

Thais Carrança

A junção de municípios, prevista na proposta de emenda à Constituição (PEC) do pacto federativo, terá que passar por consulta pública, afirmou ontem o senador Márcio Bittar (MDB-AC), relator do texto apresentado pelo governo no ano passado.

Segundo o senador, seu gabinete constatou que, como a criação de municípios no passado teve de passar por consulta, qualquer incorporação teria que seguir o mesmo rito, “sob pena de ter uma enxurrada de ações judiciais de contestação no Supremo [Tribunal Federal]”, disse, durante evento organizado pelo Centro de Liderança Pública (CLP).

A PEC 188 propõe que municípios com menos de 5 mil habitantes e arrecadação própria inferior a 10% da receita total sejam incorporados por cidades vizinhas.

Bittar disse ainda que, se depender dele, o relatório da PEC vai propor uma ampla desvinculação do orçamento. “Tenho total sintonia com a agenda do [ministro da Economia] Paulo Guedes”, afirmou. “Se depender de mim, apresento [o relatório] com desvinculação total”, disse.

O senador defendeu que a medida vai devolver poder de gestão aos entes federativos sobre seus orçamentos. “Entendo que devemos devolver aos gestores locais sua prerrogativa”, disse. Segundo o senador, como contrapartida para repassar os recursos, o governo federal estabeleceria uma série de regras e condicionantes, reforçaria outras já existentes e exigiria transparência nas contas dos entes da federação.

Também presente ao evento, o secretário especial de Fazenda do Ministério da Economia, Waldery Rodrigues, demonstrou otimismo. “Trabalhamos com a aprovação das três PECs do Pacto Federativo - a emergencial, o Plano Mais Brasil e a PEC dos fundos, respectivamente, as PECs 186, 188 e 187 - ainda no final desse semestre”, disse ao Valor.

“Esperamos a aprovação no Congresso Nacional, nas duas casas”, afirmou. “Entendemos que é possível, dada a maturidade do Congresso e dado que essa discussão já foi iniciada ano passado.”

Waldery lembrou que já houve a leitura de duas das três PECs na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJ), e há audiência pública agendada para discutir uma delas.

“Entendemos que há sim maturidade no Congresso e possibilidade de aprovação dessas três PECs, em particular da PEC 187 dos fundos e da PEC 186 que é a emergencial.”.

Para o secretário, a PEC 188 é mais complexa e deve exigir discussão de itens específicos de maneira um pouco mais alongada, ainda assim, ele reafirmou acreditar ser possível a aprovação até junho.

Questionado sobre o impacto do reajuste de mais de 12% no piso do magistério definido pelo Ministério da Educação, em um momento em que o governo busca reduzir despesas públicas e que os municípios passam por dificuldades financeiras, Waldery disse que esse impacto será considerado nas discussões do pacto.

“O piso salarial do magistério é um item que tem fortíssimo impacto nas contas dos Estados e municípios. O aumento de 12% foi bem acima da inflação”, disse. “Consideraremos o impacto que esse aumento trará nas contas dos entes subnacionais. Na análise do pacto federativo, esse é um item que entrará na conta.”