Valor Econômico, v. 20, n. 4888, 27/11/2019. Política, p. A11

Declaração provoca repúdio na oposição

Marcos de Moura e Souza


Lideranças políticas, sociais e estudantis reagiram ontem às declarações do ministro Paulo Guedes sobre a adoção de uma nova versão do AI-5 em caso de protestos violentos contra o governo e afirmaram que a ameaça não altera os planos de realização de uma série de manifestações pelo país programadas para este ano e para 2020.

A fala do ministro também suscitou críticas do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - a quem Guedes sugeriu agir uma espécie de incitador de violência pelas ruas - do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e do ex-governador do Ceará Ciro Gomes (PDT).

As declarações de Guedes foram feitas exatamente uma semana depois do lançamento da chamada jornada unitária nacional de lutas, que tem o apoio de nove centrais sindicais, entre elas Central Única dos Trabalhadores (CUT), Força Sindical e União Geral dos Trabalhadores (UGT); PT, PSB, PCdoB, PDT, Psol e Rede; e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), entre outros movimentos sociais.

Segundo a assessoria da CUT, as mobilizações estão previstas para acontecer até 1º de maio de 2020 e tem como alvo central a política econômica do governo, a redução do papel do Estado, as medidas que mexem com direitos dos trabalhadores e o congelamento do orçamento para as áreas sociais.

“Qual é o objetivo dessas declarações do Guedes? Ou o governo está realmente temendo mobilizações ou está incitando protestos para depois usar forças repressivas”, disse Kelli Mafort, integrante nacional do MST. A dirigente diz que não está claro ainda se o cenário de um eventual novo AI-5, mencionado pelo ministro, já teria o apoio das Forças Armadas.

“Nosso calendário de mobilizações não muda em nada com as afirmações dele”, disse Kelli.

Atual presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Iago Montalvão, de 26 anos, estudante de Economia da USP, diz que a ameaça do ministro tampouco muda a programação de manifestações dos estudantes.

“Vamos ter uma agenda de mobilizações em 2020 e no próximo dia 13, dia em que o AI-5 foi instituído em 1968, estamos preparando ações e um ato na USP, na Rua Maria Antônia, quando pretendemos reunir OAB, CNBB, líderes políticos para um ato de repúdio”, disse o Montalvão. A Rua Maria Antônia, em São Paulo, foi um dos palcos da perseguição a estudantes durante o regime militar.

O presidente da CUT, Sérgio Nobre, criticou Guedes afirmando, por nota, que “em qualquer país que preza minimamente pela democracia, o ministro Paulo Guedes seria afastado do governo pelo presidente da República” por acenar com a possibilidade de repressão nos moldes do AI-5.

Lula postou ontem no Twitter uma resposta a Guedes, sem, no entanto, citá-lo diretamente: “Vamos deixar uma coisa clara: se existe um partido identificado com a democracia no Brasil é o Partido dos Trabalhadores. O PT nasceu lutando pela liberdade e governou democraticamente. Não fomos nós que elegemos um candidato que tem ojeriza à democracia.”

Em entrevista à BBC, Fernando Henrique Cardoso afirmou: "Acho lamentável que as pessoas falem sobre o AI-5 como se fosse uma coisa banal. Não foi, foi grave, fez mal à democracia. Conseguimos repor a democracia no Brasil e temos que lutar para preservá-la”.

Numa visita ao Senado, Ciro Gomes pediu que os senadores manifestem repúdio a Guedes e desafiou: “Tente, Paulo Guedes; tente, Bolsonaro. Venham tentar fazer um AI-5 no Brasil”.