Valor Econômico, v.20, n. 4929, 29/01/2020. Valor investe p.C8

 

Como investir num ambiente de juros baixos

Marcelo D'Agosto


Centralidade dos bancos centrais traz novos desafios para investidores, gestores de recursos e bancos

A norma padrão de política monetária estabelece que se a economia estiver com capacidade ociosa e desemprego elevado a resposta é reduzir as taxas de juros.

Foi o que aconteceu com os países desenvolvidos logo após a crise financeira internacional de 2007. E é a situação enfrentada pelo Brasil hoje. Para administrar a execução da regra, os bancos centrais usam um modelo teórico fundamentado na previsão de que se os juros de curto prazo forem baixos, a consequência será o aumento da remuneração das aplicações com vencimento a longo prazo.

O motivo é que, num primeiro momento, os juros baixos incentivam o consumo. Mas em seguida o aquecimento da demanda incentiva que as empresas aumentem o preço dos produtos visando conseguir mais lucro para os acionistas.

Depois de algum tempo, essa dinâmica acabará provocando inflação. Os bancos centrais, então, terão que novamente subir os juros após algum tempo.

Assim, por prudência, a reação dos investidores é exigir juros maiores para comprometer o capital por prazo mais dilatado. A premissa do modelo é que os investidores são racionais e antecipam todo esse movimento cíclico da economia.

Entretanto, a combinação de juros baixos e inflação controlada já ocorre há algum tempo nas economias desenvolvidas. E mais de dez anos depois da crise financeira internacional, que detonou todo esse processo de flexibilização monetária nos países desenvolvidos, nada indica que irá mudar.

Considerações relacionadas com o aumento da produtividade, maior integração do comércio global e mudança no perfil demográfico da população são apontadas como as causas para esse novo ambiente.

Anne Richards, CEO da Fidelity International, uma das maiores empresas de gestão de recursos do mundo, participou de um painel no Fórum Econômico Mundial de Davos deste ano que discutiu esses assuntos. Um debate específico foi sobre a existência dos chamados “ativos seguros”. São investimentos de baixo risco e que possuem um fluxo de caixa previsível.

Para enfatizar sua posição, a executiva comparou a remuneração de algumas aplicações de renda fixa ao longo do tempo. Lembrou que no mês de maio do ano 2000 os títulos públicos emitidos pelo governo dos Estados Unidos com prazo de vencimento de dez anos tinham rendimento em torno de 6,5% ao ano.

Mas em maio de 2009 eram apenas os títulos corporativos americanos com boa avaliação de risco de crédito que remuneravam a 6,5% ao ano. E, mais recentemente, em maio de 2019, somente os títulos considerados de alto risco é que possuem remuneração de 6,5% ao ano.

Significa que para manter o mesmo ganho de 20 anos atrás, o investidor de hoje tem que correr muito mais risco.

Curiosamente, a percepção dos investidores no curto prazo é substancialmente diferente. Isso porque a contrapartida da queda dos juros é a valorização do preço dos ativos financeiros.

É possível entender esse fenômeno avaliando o comportamento dos ativos financeiros no Brasil. Nos últimos quatro anos, as aplicações em ações ou títulos de renda fixa com prazo médio de vencimento acima de dois anos renderam substancialmente mais do que os depósitos atrelados à remuneração diária dos certificados de depósitos interfinanceiros (CDI).

Mas o ganho de capital dos ativos financeiros tem dois efeitos. O primeiro, mais geral, é mascarar os problemas estruturais que afetam negativamente o funcionamento de diversas instituições como, por exemplo, os planos de previdência e os bancos.

O segundo efeito, mais específico, é a complexidade que o investidor passa a ter para administrar melhor o patrimônio. Atualmente é importante considerar outros fatores de risco além daqueles relacionados com a variação diária do preço dos ativos financeiros, a chamada volatilidade.

Uma das perspectivas nesse novo ambiente de juros baixos é que, para ter maior rentabilidade, será preciso investir em ativos com pouca liquidez. Para que esse investimento tenha a possibilidade de ser rentável, é fundamental ajustar o horizonte de tempo da aplicação.

Outro ponto relevante é que o custo da compra e venda de ativos tende a ficar muito alto em relação aos ganhos potenciais. Como consequência, o volume de transações tende a diminuir.

Dedicar um tempo para elaborar uma estratégia de investimento sólida é a saída para garantir bons resultados. A mera análise dos ganhos do passado não é suficiente no atual ambiente.