Valor Econômico, v.20, n. 4929, 29/01/2020. Política p.A6

 

Acordos de leniência acumulam R$ 26 bilhões

 

Murilo Camaroto


Período de guerra institucional parece ter se encerrado

A entrada em vigor da Lei Anticorrupção (12.846) completa seis anos hoje com pouco mais de R$ 26 bilhões recuperados por meio de acordos de leniência com empresas acusadas de desvios de recursos. Esse montante, na verdade, voltará gradativamente aos cofres públicos nos próximos 20 anos, mas a legislação começa a demonstrar sinais de maturidade após um longo período de guerra institucional.

Além dos acordos de leniência firmados com 33 empresas que admitiram a prática de irregularidades, a lei começou, enfim, a ser regulamentada pelos entes federativos. Até o momento, 20 Estados e dez capitais oficializaram a aplicação das novas regras.

Ainda há, no entanto, problemas no horizonte. Empresas interessadas em acertar as contas com o Estado têm manifestado preocupação com os critérios de elegibilidade e, principalmente, com os valores dos acordos. As disputas entre os órgãos de controle também não acabaram.

O ex-ministro da Controladoria-Geral da União (CGU) Valdir Simão defende uma mudança nos critérios de elegibilidade. Atualmente, são aceitas apenas as empresas que trazem informações inéditas para o governo, o que acaba dificultando o acordo.

Segundo ele, muitas vezes um denunciante leva apressadamente às autoridades uma informação que a empresa já havia detectado em processos internos, mas que ainda estava sendo apurada. Nesses casos, a empresa perde o direito ao acordo, o que seria prejudicial para o espírito da lei.

“O acordo é sempre melhor que um processo administrativo, que pode levar anos”, disse Simão ao Valor. Ele também aponta um problema na utilização do lucro do contrato fraudado como base para o cálculo do ressarcimento que será feito ao erário.

O ministro da AGU, André Mendonça, entende que a empresa interessada no acordo tem que agregar valor à investigação, o que acontece quando apresenta informações novas. “Não precisa ser um novo caso de corrupção, mas é importante ter a compreensão de que a informação soma”, disse ele ao Valor.

Antes de assumir a pasta, Mendonça atuava em nome da AGU dentro da CGU e é um dos maiores conhecedores do processo de implantação do instituto da leniência no país. “Temos que nos orgulhar de ter implementado essa lei em meio ao maior escândalo de corrupção da história”.

Além da aplicação de multa, a CGU tem exigido a devolução de todo o lucro obtido com um contrato que foi alvo de corrupção, bem como a propina paga. Simão defende a contratação de auditorias independentes para a identificação de um “valor justo” a ser extraído do lucro líquido.

Responsável legal pela instauração dos processos administrativos contra as empresas e pela condução dos acordos de leniência, a CGU celebrou até agora 11 acordos, sempre em parceria com a Advocacia-Geral da União (AGU). Com exceção de um, esses foram os acordos mais importantes em termos de valores, quase todos com empresas envolvidas na Operação Lava-Jato.

Os demais foram conduzidos e assinados pelo Ministério Público Federal (MPF), cuja participação nesse tipo de acordo não está prevista na Lei Anticorrupção.

Esse foi o motivo dos primeiros atritos entre a CGU e o MPF. Os procuradores resistiam em compartilhar informações e definiam os valores de ressarcimento sem qualquer base técnica. Isso obrigou a Controladoria a assinar novos acordos com as mesmas empresas, que resistiam a pagar mais do que haviam acertado com o Ministério Público.

O maior acordo até agora, no valor de R$ 10,3 bilhões, foi celebrado com a J&F Investimentos, controladora do frigorífico JBS. O acordo foi feito pela Procuradoria da República no Distrito Federal (PR-DF) e não envolve a CGU.

O critério para o cálculo dos ressarcimentos é alvo de uma outra disputa institucional, esta envolvendo o Tribunal de Contas da União (TCU). A área técnica do órgão discorda dos valores de vários acordos já assinados e deve iniciar em breve uma temporada de questionamentos à CGU.