Valor Econômico, v.20, n. 4929, 29/01/2020. Política p.A6

Desembargador vota a favor de suspender quebra de sigilo de Flávio

Cristian Klein

O desembargador Antonio Carlos Nascimento Amado, da 3ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), votou ontem por anular a quebra de sigilos bancário e fiscal do senador Flávio Bolsonaro (sem partido-RJ), suspeito pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa. A sessão foi suspensa quando as outras duas desembargadoras que compõem o colegiado, Suimei Meira Cavalieri e Monica Tolledo de Oliveira, pediram vista ao habeas corpus (HC) apresentado pela defesa do parlamentar. Não há previsão para a volta à pauta do processo, que corre em segredo de Justiça.

O filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro teve os sigilos bancário e fiscal quebrados, em abril, após autorização do juiz Flávio Itabaiana, da 27ª Vara Criminal do Rio de Janeiro. O magistrado atendeu o pedido do MP fluminense que investiga a suposta prática de “rachadinha”, ou seja, a apropriação de parte dos salários de funcionários de gabinete, quando Flávio Bolsonaro era deputado na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). O período investigado vai de 2007 a 2018. A primeira decisão de Itabaiana atingiu 95 pessoas físicas e jurídicas relacionadas a Flávio e foi justificada em um parágrafo, enquanto as razões do Ministério Público se estendiam por 87 páginas. Dois meses depois, em junho, o juiz ampliou a quebra de sigilo bancário e fiscal para mais oito pessoas.

Ao Valor, o advogado do senador, Frederick Wassef, afirmou que o voto do desembargador Antonio Carlos Amado, “é absolutamente o cumprimento da lei, o restabelecimento do Estado democrático de direito”. “Nenhum advogado jamais viu na história da advocacia criminal um juiz de primeiro grau afastar o sigilo bancário e fiscal de mais de cem pessoas, 12 anos para trás, sem qualquer fundamento”, disse.

O advogado, porém, preferiu não comemorar o voto do desembargador, já que ainda falta a posição das duas magistradas da 3ª Câmara Criminal. Em julho, perfil sobre Flávio Itabaiana publicado pelo Valor mostrou que o juiz tem uma carreira marcada por decisões consideradas muito rigorosas, punitivistas, com fundamentações sucintas e frequentemente baseadas nas razões da acusação. Uma consequência dessa reputação seria a maior probabilidade de que decisões de Itabaiana sejam reformadas pelas instâncias superiores.

Ao atender o pedido de habeas corpus do senador, Amado considerou que Flávio Bolsonaro não teve oportunidade de se pronunciar na investigação antes da quebra de sigilo. O desembargador ressaltou que o primogênito de Jair Bolsonaro teria apresentado uma petição para se manifestar, mas que o Ministério Público fluminense informara a Itabaiana que o parlamentar se recusara a falar. Para Amado, o magistrado de primeiro grau “pode ter sido induzido a erro”.

Mesmo que as duas desembargadoras acompanhem o voto do relator, o MP do Rio pode requerer novamente o pedido de quebra de sigilo bancário e fiscal de Flávio Bolsonaro e de pessoas ligadas a ele. A diferença, argumenta Wassef, é que nova autorização de Itabaiana deve vir com “fundamentação jurídica” e sem o que o advogado chama de “ilegalidade”. “É muito grave. A maioria dessas pessoas físicas e jurídicas não é alvo dessa investigação. Não são passíveis de qualquer medida dessa natureza. Não têm qualquer relacionamento ou vínculo seja com Flávio Bolsonaro ou com o seu gabinete. É absolutamente fora da curva, é arbitrária e ilegal essa decisão”, disse.

Frederick Wassef afirma que “tem pessoas que jamais trabalharam no gabinete, que jamais receberam [salário] e que foram alvo da busca e apreensão [outra medida cautelar autorizada por Itabaiana, em dezembro], e que não estão sendo investigadas a partir do referido procedimento investigatório criminal (PIC)”. Entre essas pessoas, o advogado cita “o sogro, a sogra, o vizinho e o síndico” de Flávio Bolsonaro. “Como podem essas pessoas ter seus sigilos quebrados 12 anos para trás? É uma ameaça ao Estado democrático de direito”, critica.

A investigação do MP fluminense tem como base relatórios do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) que indicaram movimentação atípica na conta do ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz. Policial militar da reserva, o ex-chefe da segurança de Flávio é amigo de Jair Bolsonaro desde o início dos anos 1980 e é apontado como o operador do esquema das rachadinhas.

Na sessão de ontem, os desembargadores também começaram a julgar um segundo habeas corpus em que a defesa de Flávio pede a anulação do compartilhamento de dados do Coaf com o Ministério Público do Rio. Wassef negou que esse HC já tivesse sido rejeitado na sessão de ontem, conforme informação que circulou após o adiamento do julgamento. “Isso não procede. Só é negado quando o julgamento chega ao seu fim, com voto dos três desembargadores. A revisora e a vogal pediram vistas para estudar melhor os autos. Foi suspenso. Não houve o julgamento definitivo de nenhum dos HCs”, disse.

Flávio Bolsonaro conseguiu paralisar as investigações do MP fluminense, em duas ocasiões, ao recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF). Em janeiro do ano passado, o ministro Luiz Fux lhe concedeu uma liminar mas a decisão foi revogada pelo ministro Marco Aurélio Mello. Em julho, as apurações do caso foram de novo suspensas por liminar do presidente do STF, Dias Toffoli. As investigações foram retomadas depois de decisão tomada pelo plenário do Supremo, no início de dezembro.