Valor Econômico, v. 20, n. 4810, 08/08/2019. Política, p. A13

Câmara deve votar abuso de autoridade

Raphael Di Cunto
Marcelo Ribeiro



Com a força-tarefa da Operação Lava-Jato numa situação inédita de fragilidade e contestações públicas, líderes partidários na Câmara dos Deputados acertaram com o presidente Rodrigo Maia (DEM-RJ) aprovar na próxima semana o projeto que endurece a Lei de Abuso de Autoridade, com a criação de novos tipos penais e definição de 30 condutas de servidores e agentes públicos que serão consideradas crime.

O projeto, que nasceu como uma reação à Lava-Jato, é uma proposta alternativa ao texto das "10 Medidas Contra a Corrupção", aprovado em junho pelo Senado com a inclusão de regras sobre o abuso de autoridade. Os deputados entendem que a proposta relatada pelo ex-senador Roberto Requião (MDB-PR) em 2017 e desde então parada na Câmara é mais consensual.

Maia anunciará, após a aprovação da reforma da Previdência, a agenda da Câmara para os próximos dias e que deve incluir o projeto, segundo o deputado Ricardo Barros (PP-PB), que será o relator em plenário. Barros é, também, o relator das emendas feitas pelo Senado as "10 Medidas Contra a Corrupção". A negociação para que o projeto de abuso seja pautado ocorreu num jantar segunda-feira, na residência do presidente da Câmara, embora nem todos os participantes acreditem que ele será, de fato, o primeiro item da pauta.

Os parlamentares articulam há anos a votação do projeto para punir abusos de juízes e integrantes do Ministério Público, mas avaliaram que o ambiente político nunca foi tão favorável quanto agora, com o ministro da Justiça, Sergio Moro, e a força-tarefa da Lava-Jato contestados por ações reveladas em mensagens de celular obtidas por um hacker e divulgadas pela imprensa.

A decisão da juíza Carolina Lebbos, da 12ª Vara de Execuções Penais de Curitiba, de transferir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) da carceragem da Polícia Federal em Curitiba para um presídio comum em São Paulo-suspensa no fim do dia por decisão do Supremo Tribunal Federal- reforçou a defesa do projeto, afirmou o presidente do Solidariedade, o deputado Paulinho da Força (SP). "Não tem mais quem segura esse projeto agora", disse.

Barros afirmou ao Valor que abrirá sua agenda para as entidades após ser designado oficialmente relator, mas que sua ideia inicial é não fazer modificações para que o texto seja encaminhado direto para sanção presidencial após aprovado "Não estou prevendo alterações", pontuou.

Segundo o líder do PL na Câmara, deputado Wellington Roberto (PB), será aprovado regime de urgência para o projeto e votado direto no plenário. O líder do Solidariedade, deputado Augusto Coutinho (PE), disse que o texto de Requião está mais "acertado", com apoio fora da Casa. Há resistência de parte da oposição, mas outro grupo, como o PT, defende o texto.

O texto estabelece 30 condutas de servidores e agentes públicos dos três Poderes que serão consideradas crime, com penas que variam de seis meses a quatro anos de prisão, mais multa, e exigência de que a autoridade indenize a vítima. Também poderá haver a perda do cargo público e inabilitação para exercício de função pública por um a cinco anos em caso de reincidência.

Entre as ações que serão classificadas como abusivas estão práticas adotadas pela operação Lava-Jato, como decretar a condução coercitiva de investigado sem intimação prévia, "quebrar" o segredo de Justiça de processos ou divulgar gravação sem relação com a prova que se pretenda produzir, expondo a intimidade ou a vida privada do investigado.

Também será punida a entrada em imóvel sem determinação judicial, obtenção de provas por meios ilícitos, impedir encontro reservado entre um preso e seu advogado, colocar algemas no detido quando não houver resistência à prisão, manter presos, na mesma cela, pessoas de sexos diferentes e filmar ou fotografar o preso sem autorização judicial.

Os advogados ainda terão suas prerrogativas reforçadas e será crime violar seus "direitos ou prerrogativas" de classe, como a inviolabilidade dos escritórios e correspondência, a comunicação com os clientes e não ser preso antes de decisão transitada em julgado.