Valor Econômico, v. 20, n. 4887, 26/11/2019. Política, p. A9

Guedes tenta barrar nova lei geral para as concessões

Daniel Rittner


O ministro da Economia, Paulo Guedes, é contra a redação dada pelo deputado Arnaldo Jardim (Cidadania-SP) ao projeto de lei que reformula o marco legal das concessões e parcerias público-privadas (PPPs). Ele já pediu ao presidente Jair Bolsonaro e à Secretaria de Governo, responsável pela articulação política, que se mobilizem para evitar a votação do projeto na Câmara.

Para a equipe econômica, o texto da nova Lei Geral das Concessões ficou extenso demais e pode ter efeito oposto à intenção de impulsionar o capital privado na infraestrutura do país. Na avaliação dos interlocutores de Guedes, haveria a necessidade de tantos ajustes que o melhor é simplesmente empurrar as discussões para 2020. Eles querem a retirada de capítulos inteiros do projeto, como o que trata da possibilidade de intervenção nas concessões.

A votação do relatório de Jardim, em comissão especial, está marcada para amanhã. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), é um dos maiores entusiastas da iniciativa e gostaria de ter o projeto aprovado em plenário até o fim do ano. Foi ele quem criou a comissão, no começo do segundo semestre, de forma a acelerar propostas já em tramitação.

Em outubro, a Casa Civil compilou uma lista de contribuições ao projeto, como o mecanismo de “concessão simplificada” para contratos de valor mais baixo e o aumento de 5% para 15% do limite da receita corrente líquida que governos estaduais e municipais podem comprometer com PPPs.

Segundo um auxiliar de Guedes, imaginava-se naquele momento que a proposta serviria como uma atualização do marco regulatório em vigência e substituiria o “plano de choque do investimento privado em infraestrutura”, elaborado pela Secretaria Especial de Produtividade e Competitividade (Sepec). No final das contas, o projeto acabou ficando com 231 artigos e praticamente revogaria a Lei 8.987/95 (principal legislação existente), conforme leitura da Economia.

“Virou um monstrengo, um elefante voador que expira fogo”, afirma uma fonte da equipe econômica. “E ficou parecendo que estávamos dando apoio só porque um dia penteamos o rabo do elefante.”

Um dos pontos criticados é a lista de exigências de qualificação técnica e operacional para empresas que desejem participar de futuros leilões. Certidões profissionais emitidas por entidades de classe e atestados de responsabilidade por execução de obras podem ser documentos necessários, segundo o relatório de Jardim, para habilitação nos leilões.

Para o Ministério da Economia, isso aproxima as concessões de obras públicas e pode significar uma reserva de mercado para os players nacionais, afastando investidores estrangeiros. Quem precisa de certificações e registros, argumenta uma fonte da pasta, é a empreiteira responsável pela obra em si - não o dono do dinheiro que vai contratá-la.

Há outros aspectos mal vistos pela equipe de Guedes: o instrumento da devolução amigável de concessões com problemas financeiros é reforçado, enquanto se dificulta a possibilidade de caducidade (rescisão unilateral) dos contratos pelas agências reguladoras.

Outro artigo apontado como bastante problemático é o que permite reajustes automáticos das tarifas sem a necessidade de homologação dos órgãos reguladores, quando os valores forem baseados em “fórmulas matemáticas”. Existe ainda um dispositivo que autoriza a “redução ou extinção” de multas e penalidades em caso de transferência do controle acionário das concessões.

“O projeto pode ser aperfeiçoado, mas certamente significa um avanço para o marco regulatório das concessões”, diz o relator Arnaldo Jardim. Ele defende que a votação ocorra em plenário ainda neste ano. “A pressa é do Brasil, que precisa de um novo ciclo de investimentos em infraestrutura puxados pela iniciativa privada. ”

O deputado ressalta que abriu diálogo com associações empresariais, fez visitas a seis capitais do país e conversou com o governo antes do seu parecer. “Houve uma construção coletiva no Legislativo, e do Legislativo com o Executivo. ”

Jardim acredita que a posição de Guedes não é unânime no governo, citando colaborações do Ministério da Infraestrutura e do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), mas reconhece pelo menos três pontos que a equipe econômica não teria gostado.

Um é o compartilhamento de riscos nos contratos de concessão. Outro é o advento da “outorga carimbada” - em que o dinheiro pago por uma concessão teria que ser obrigatoriamente usado em determinada obra. Assim, o valor pago pelo vencedor do leilão da BR-381 em Minas Gerais poderia ser destinado, por exemplo, para bancar intervenções na BR-235 no Maranhão.

O terceiro ponto destacado por Jardim, do qual Guedes também seria contrário, é a criação de uma nova modalidade de debêntures incentivadas (com desconto tributário) para financiar concessões de infraestrutura.