Valor Econômico, v. 20, n. 4887, 26/11/2019. Brasil, p. A5

Mais de 1,2 milhão de brasileiras sofreram violência entre 2010 e 2017

Rodrigo Carro


Entre 2010 e 2017, o sistema de saúde atendeu 1,23 milhão de mulheres por terem sofrido algum tipo de violência. Os dados do Sistema Único de Saúde (SUS) foram compilados pelo Instituto Igarapé como parte do esforço de pesquisa que resultou no lançamento ontem da plataforma Evidências sobre Violências e Alternativas para Mulheres e Meninas (EVA). O projeto conta com o apoio da Uber.

No ar, o site permite o acesso a informações relativas a qualquer tipo de violência contra mulheres em três países: Brasil, Colômbia e México. Juntos, os três concentram 65% de todos os assassinatos de mulheres na América Latina entre 2000 e 2017. Na análise por país, 37% de todos os crimes desse tipo registrados na região ocorreram no Brasil, contra 20% no México e 8% na Colômbia.

O percentual brasileiro é superior ao peso que o país tem em termos populacionais na América Latina, na casa de 32,2%. A Organização das Nações Unidas (ONU) estima que a população da América Latina e Caribe em 2019 era de 653 milhões de pessoas. Desse total, quase um terço dos habitantes está no Brasil, cuja população está no patamar de 210,7 milhões de pessoas, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

A partir de dados dos sistemas estaduais de segurança pública, o Instituto Igarapé contabilizou o assassinato de 76.648 mulheres no país entre 2000 e 2018. Desse total, 51,4% foram cometidos com arma de fogo e 28% dos casos ocorreram no interior do domicílio.

“Ser mulher no Brasil é um fator de risco para sofrer qualquer tipo de violência”, afirmou ontem Renata Avelar Giannini, pesquisadora sênior do Instituto Igarapé, em coletiva de imprensa realizada justamente no Dia Internacional para Eliminação da Violência contra Mulheres.

Em Brasília, a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) causou polêmica ao ficar em silêncio e fingir choro durante entrevista a jornalistas. Posteriormente, ela disse que ficou calada para divulgar “o quanto é difícil para as mulheres não terem voz” - referência aos atos de violência e o medo de mulheres denunciarem seus agressores.

Renata, do Igarapé, explicou que a decisão de disponibilizar inicialmente na plataforma dados do Brasil, da Colômbia e do México se deveu ao fato de estes países contarem com dados bem estruturados sobre homicídios. “Queremos começar com três países para depois expandir para outros da América Latina”, disse a pesquisadora. Ao todo, foram registrados 140 mil assassinatos de mulheres entre 2000 e 2017 apenas nos países pesquisados.

No Brasil, houve aumento na notificação de todos os tipos de violência contra mulheres no período de 2010 a 2017. Em termos percentuais, a maior expansão se deu nos registros de violência física (360%). No extremo oposto, a violência sexual foi a que menos cresceu, embora tenha aumentado 200%.

No entanto, os números crescentes não significam necessariamente um incremento na violência contra a mulher, frisou a pesquisadora sênior do Instituto Igarapé. “Sem dúvida melhoraram as notificações”, justificou Renata. “O que tem acontecido é um despertar da sociedade para esses temas. Está havendo essa desnaturalização da violência contra a mulher. ”

No país, 90% das agressões contra mulheres foram cometidas por alguém próximo da vítima, e 36%, pelo parceiro. Dentro do universo de mulheres que sofreram algum tipo de violência, as negras são maioria. Somam 57% dos casos de violência sexual e 51% dos de violência física. Ainda no Brasil, os casos de violência contra as mulheres brancas tiveram incremento de 297% entre 2010 e 2017. No caso das mulheres negras, o percentual foi ainda maior: 409%.

Na avaliação de Renata Giannini, a principal descoberta resultante de todo trabalho de pesquisa investido na EVA foi a carência de dados sobre a violência contra mulher nos três países. No Brasil, apenas 17 Estados responderam aos pedidos de dados a respeito de feminicídio e 24 sobre homicídio. E somente quatro enviaram informações discriminadas por raça. Goiás e Piauí não forneceram nenhuma das informações solicitadas.

A base de dados do sistema de saúde brasileiro está atualizada apenas até 2017. Renata destaca também que não há no Brasil pesquisas de vitimização realizadas por órgãos oficiais, apenas estudos baseados em amostras pequenas e sem periodicidade.