Valor Econômico, v. 20, n. 4887, 26/11/2019. Brasil, p. A4

Alta do PIB dobra em 2020, mas emprego reage devagar, diz Ibre

Arícia Martins



O crescimento econômico deve praticamente dobrar entre 2019 e 2020, mas o desemprego terá uma queda muito lenta e permanecerá em dois dígitos no próximo ano, avalia o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV). Com o mercado de trabalho ainda fraco e inflação de alimentos mais pressionada, o consumo das famílias terá dois entraves a uma expansão mais robusta no próximo ano.

Na edição de novembro do Boletim Macro, divulgada com exclusividade ao Valor, o Ibre elevou a estimativa de alta do Produto Interno Bruto (PIB) em 2020, de 1,8% para 2%. A projeção para 2019 foi mantida em 1,1%. Segundo a entidade, os dados de atividade divulgados para o terceiro trimestre confirmam a visão de que está em curso uma recuperação gradual da economia.

“Sem dúvida, os principais fatores por trás da aceleração da atividade econômica são a queda da taxa de juros e a retomada do crédito privado”, afirmam os economistas Armando Castelar Pinheiro e Silvia Matos na abertura do boletim. Há, ainda, o impulso dos saques das contas do FGTS, efeito temporário que deve ajudar o PIB a crescer 0,9% no último trimestre de 2019, após alta de 0,4% nos três meses anteriores.

Pinheiro e Silvia ponderam, no entanto, que o instituto não espera reação mais forte do crescimento no ano que vem. Um dos motivos para isso é o cenário externo mais adverso, com mais um ano de recessão na Argentina, quadro que dificulta recuperação mais expressiva da indústria. Mesmo o consumo das famílias, que deve aumentar 2,6% em 2020, não terá desempenho tão exuberante, destacam eles.

Metade da expansão prevista para a demanda das famílias será resultado da herança estatística deixada por 2019, observam os economistas. “Isso reflete o fato de que, mesmo com a recuperação econômica, a taxa de desemprego continuará elevada.” Nos cálculos do Ibre, a fatia de desempregados em relação à força de trabalho vai cair somente 0,2 ponto percentual entre 2019 e 2020, para 11,8%.

Já a massa salarial real - que combina o crescimento da população ocupada com a variação da renda real dos trabalhadores - deve ter alguma acomodação na passagem anual, ao crescer 2% no próximo ano, ante alta de 2,3% este ano, estima a entidade.

Com a recuperação da atividade, mais pessoas devem voltar a buscar uma ocupação no próximo ano, o que torna a queda do desemprego mais lenta, diz Silvia, que é coordenadora técnica do boletim. Com oferta ainda elevada de pessoas ocupadas, o poder de barganha do trabalhador fica reduzido e, por isso, os aumentos salariais serão fracos, acrescentou.

Do lado da inflação, o choque de alimentos é outro fator que deve moderar os ganhos de renda no próximo ano e, consequentemente, tornar a expansão do consumo um pouco mais modesta, observa a economista. Devido ao impacto da peste suína na China sobre a oferta doméstica de proteínas, o Ibre já trabalha com alta de 3,8% para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2020, taxa parecida com a previsão para 2019 (3,7%).

Na seção sobre inflação do boletim, André Braz, especialista no tema do Ibre, aponta que a alta dos preços não chamou atenção por cinco meses, mas deve “despertar” no último bimestre de 2019. Nos índices do atacado, afirma Braz, a perda de fôlego da deflação de alimentos in natura e o aumento mais forte de alimentos processados vão pressionar o IPCA nos próximos meses.

O pesquisador menciona, ainda, que a inflação ao consumidor também ficará mais pressionada devido aos preços administrados. Juntos, a vigência da bandeira tarifária vermelha nas contas de luz e o reajuste de loterias devem responder por mais de 0,3 ponto do IPCA de novembro, calcula Braz.

Mesmo com a inflação mais elevada, o cenário para a Selic foi mantido, afirma o economista. O Ibre espera mais um corte de 0,5 ponto na taxa básica de juros, que deve encerrar 2019 em 4,5% ao ano. “Temos dúvida em relação ao ano que vem, mas, dada essa aceleração da inflação, tendemos a ser conservadores e projetar manutenção da Selic em 2020”, disse Silvia.