Valor Econômico, v. 20, n. 4887, 26/11/2019. Brasil, p. A2

Projeto tenta barrar decisão unilateral do Executivo para país deixar Mercosul

Vandson Lima


A oposição prepara mudanças para impedir que o presidente Jair Bolsonaro possa, sozinho, propor a saída do Brasil do Mercosul. A iniciativa é do líder do PT no Senado, Humberto Costa (PE), que apresentou projeto de decreto legislativo para proibir o Poder Executivo de denunciar, de forma unilateral, o tratado de constituição do bloco, tendo de submeter um eventual movimento de saída à concordância do Congresso.

A proposta surge em meio à expectativa de que a presença do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como convidado na posse do futuro presidente argentino, Alberto Fernández, e sua vice, a ex-presidente Cristina Kirchner, no dia 10 de dezembro, deve avolumar as tensões crescentes entre Brasil e Argentina. Bolsonaro, que disse que o país vizinho “escolheu mal” e caminha “pelo populismo, cada vez mais próximo da Venezuela”, já avisou que não irá à cerimônia, enviando no lugar apenas o ministro da Cidadania, Osmar Terra.

“Crescem as evidências de que o governo Bolsonaro, ante a derrota de Mauricio Macri na Argentina, seu aliado político, pretende retirar o Brasil o Mercosul, de modo a poder reduzir substancialmente todas as alíquotas de importação da Tarifa Externa Comum (TEC) e negociar livremente acordos de livre-comércio com os EUA e demais países desenvolvidos”, aponta a justificativa da proposta. “O governo pretende fazê-lo, no entanto, sem submeter a denúncia do Tratado de Assunção ao Congresso Nacional, em simples decisão monocrática de caráter administrativo. Dessa maneira, o Congresso Nacional, que foi decisivo para a criação do Mercosul e a entrada do Brasil no bloco, ficaria paradoxalmente excluído da decisão de retirar o nosso país do Mercado Comum do Sul”, diz o documento.

O Brasil firmou, em março de 1991, o Tratado de Assunção, que criou o Mercado Comum do Sul (Mercosul). O Congresso Nacional teve de chancelar a mudança, o que fez naquele mesmo ano. A tese, portanto, é que o Poder Legislativo deveria ser igualmente consultado caso o governo proponha a saída do bloco. “Sem a vontade soberana do Legislativo brasileiro, o Tratado de Assunção jamais teria entrado em vigor e o Mercosul não existiria”, alega o senador no projeto.

A questão, contudo, é controversa e se arrasta no Judiciário, sem solução, há mais de 20 anos. Em 1997, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag) ingressaram no Supremo Tribunal Federal (STF) com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) para que fosse considerado inconstitucional decreto presidencial que denunciou, monocraticamente, a Convenção 158 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) - que proíbe que um trabalhador seja demitido sem motivo relacionado a sua conduta, sua capacidade profissional ou a necessidades estruturais da empresa. O caso não foi resolvido até hoje.

Então presidente do STF, o ex-ministro Nelson Jobim julgou improcedente o pedido, por entender que o chefe do Poder Executivo, por representar a União na ordem internacional, pode denunciar tratados sem anuência do Congresso. Seguidos pedidos de vista impediram uma decisão definitiva sobre o tema nos últimos anos. Em 2015, a ministra Rosa Weber julgou procedente o pedido para declarar a inconstitucionalidade do decreto. Em 2016, após o voto-vista do ministro Teori Zavascki, julgando improcedente, pediu vista dos autos o atual presidente do STF, Dias Toffoli.

O senador do PT aponta ainda que uma decisão de Bolsonaro de saída do Mercosul colidiria com a busca da integração regional, constante no artigo 4º da Constituição. “O empenho do governo Bolsonaro na fragilização ou mesmo na destruição do Mercosul funda-se na suposição equivocada de que ao Brasil interessa apenas a integração assimétrica aos EUA e a outros países mais desenvolvidos. Trata-se, a nosso ver, de ignorância sobre a realidade do Mercosul, motivada por mera ideologia”, aponta o autor do decreto. “O Mercosul e a integração regional de um modo geral asseguram ao Brasil um grande mercado cativo, particularmente para nossos produtos manufaturados, que não são competitivos em outros mercados”, conclui.

Segundo senador, já foram iniciadas articulações para viabilizar a aprovação da matéria. O decreto precisa do aval do Senado e da Câmara dos Deputados.