Valor Econômico, v. 20, n. 4887, 26/11/2019. Brasil, p. A2

Constrangimentos e quimeras na CoP 25
Daniela Chiaretti

A estreia do governo Bolsonaro na conferência do clima acontecerá em uma semana, na CoP 25, em Madri. Será com emoção, imagina-se. Considerando-se o desempenho doméstico no tema socioambiental nos últimos 11 meses, é realista esperar constrangimentos. O Brasil tem sido citado como “de pouca ajuda” para fechar as últimas regras do Acordo de Paris, e os 30% de alta no desmatamento estão gravados na mente de delegados dos 200 países participantes. O ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, tem dito que chegará à “Feria de Madrid” para pedir verba contra a derrubada da floresta. Precisará de muita lábia e dramaturgia para convencer alguém que a história é outra. Corre o risco de ficar rouco.

A relação entre Bolsonaro e a CoP 25 começou péssima. A conferência era para ser no Brasil, mas o capitão ainda era presidente eleito ao decidir retirar a candidatura brasileira. “Está em jogo o Triplo A”, justificava, mas ninguém entendia. “Esse acordo, que é uma grande faixa, de 136 milhões de hectares, que pega a Amazônia desde a Cordilheira dos Andes até o Atlântico e que poderá fazer com que percamos a nossa soberania”, explicava. Talvez alguém tenha dito a ele que este tema não decolou da prancheta do antropólogo colombiano Martín von Hildebrand, seu idealizador, e que na negociação climática é assunto desconhecido. Bolsonaro não fala mais nisso, a CoP migrou para Santiago, mas, diante do turbilhão político e social chileno, foi para a Espanha.

Salles, que deve chefiar a delegação brasileira, empenhou-se na semana passada em dizer que o país está “indo bem” no cumprimento das metas climáticas, que o aumento do desmatamento da Amazônia segue uma tendência de alta inercial e que irá a Madri pedir verba para conter o desastre amazônico. As duas primeiras afirmações são controversas. A terceira pode ser uma quimera.

Vamos por partes. Como o Brasil pode estar “indo bem” em suas metas climáticas se o desmatamento chegou a 9.762 km2 no período 2018-2019, o que representou um aumento de 29,5%? Em 2010, o Congresso aprovou a lei que estabeleceu que o desmatamento do Brasil em 2020 deveria ser de até 3.900 km2. Salles usa outros parâmetros e não concorda que o Brasil não esteja na rota de cumprir seus compromissos.

A segunda premissa, a de que a tendência de alta no desmatamento vem de 2012 e segue seu ritmo, é uma meia verdade. O desmatamento está mesmo em alta há sete anos, mas se seguisse seu compasso deveria ter fechado em torno de 8 mil km2. Ou seja, houve um aumento na intensidade, o que tende a piorar os dados deste ano. Para piorar, depois de registrar a catástrofe, o governo não decretou nenhuma medida drástica. Quem dará dinheiro ao Brasil neste contexto?

O quadro é mais sombrio quando se pensa no Fundo Amazônia. O governo tratou com desdém os dois doadores, Noruega e Alemanha que suspenderam recursos futuros até porque a governança do instrumento foi desmantelada. Para ser compensado por não desmatar a floresta, o Brasil deveria registrar um desmatamento de, no máximo, 8.100 km 2. Mesmo que o Fundo Amazônia estivesse bem e operante, o tamanho do desmatamento não deixaria espaço para dinheiro no ano que vem. E há ainda a novela do Green Climate Fund. O Brasil poderia receber US$ 96 milhões, mas, de novo, não consegue porque o conselho que orientaria o destino dos recursos foi extinto.

O Brasil pode, eventualmente, conseguir recursos em tratativas bilaterais. Mas a CoP 25 não é uma reunião de credores. Os negociadores têm uma agenda previamente negociada. Há regras, não é a festa do caqui. É verdade que o ministro tem razão em se queixar que os US$ 100 bilhões ao ano, a partir de 2020, que os países ricos prometeram para os mais pobres conseguirem descarbonizar suas economias são uma conta enrolada. Mas é preciso conhecer o que diz o texto. Ali se lê que os país desenvolvidos iriam “mobilizar” estes recursos. Nesta rubrica cabem dinheiro público e privado, doações e empréstimos, verba bilateral e multilateral. A prioridade é para os países mais pobres, e não emergentes.

Outro imbróglio ocorre com os milhões de créditos dos projetos do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo, o MDL. O mecanismo previa compra de créditos de carbono entre países. Esse dinheiro deixou de chegar ao Brasil porque no meio do caminho os europeus resolveram não investir mais nas economias emergentes e privilegiar países carentes. Naquele momento tinha-se muita oferta e pouca demanda para os tais créditos. O mercado decidiu e projetos no Brasil ficaram a ver navios.

Finalmente, há um caminho muito mais sofisticado para o Brasil receber recursos - incorporar o setor florestal ao Artigo 6 do livro de regras do Acordo de Paris. O artigo é um ponto em aberto, está na pauta da conferência de Madri e prevê mecanismos de mercado para mobilizar recursos para os países enfrentarem seus desafios climáticos. O governo estuda a opção de colocar florestas na barganha, o que pode ser interessante, mas exige uma discussão aberta, no Brasil, antes de mais nada. Há oportunidade de recursos, mas também há desafios econômicos (muita floresta para pouca demanda pode derrubar o preço) e abrem-se brechas para ingerência privada externa sobre a Amazônia.

Sem presença

O Brasil não terá neste ano estande oficial na CoP. Os países costumam ter um espaço para promover suas ações e receber convidados. O Brasil sempre teve o seu, em que exibia programas como o RenovaBio ou o Plano ABC. A justificativa é que não deu tempo para alugar com a mudança do evento do Chile para a Espanha. Seria desconfortável ter que explicar aos visitantes que agora a moratória da soja está ameaçada assim como a sustentabilidade do etanol brasileiro, já que está aberta a possibilidade de se plantar cana na Amazônia. A sociedade civil, contudo, erguerá um estande para abrigar eventos subnacionais e empresariais. O Brazil Climate Action Hub é uma forma de ONGs, academia e setor privado indicarem aos outros países que continuam atuando na questão climática no Brasil, independentemente do que diz o governo federal.

Daniela Chiaretti é repórter especial

E-mail: daniela.chiaretti@valor.com.br