O Globo, n. 32667, 14/01/2023. Política, p. 4

Investigado por incitar

Daniel Gullino
Jussara Soares


Cinco dias após os ataques às sedes dos Três Poderes em Brasília, o ex presidente Jair Bolsonaro foi incluído entre os investigados no inquérito aberto para apurar os atos golpistas do último domingo. A decisão foi tomada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), ao acolher um pedido feito da Procuradoria-geral da República (PGR). A inclusão do nome dele ao rol de suspeitos contribui para o crescente isolamento do ex-chefe do Executivo federal. O Ministério Público encontrou indícios de que Bolsonaro atuou como um dos “autores intelectuais” de empreitadas antidemocráticas. Ele entrou na mira dos investigadores ao compartilhar um vídeo nas suas redes sociais em que ataca o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e questiona a legitimidade da vitória eleitoral do petista, ao atribuí-la a atuação de ministros do Judiciário. Horas depois, a postagem foi apagada. A defesa de Bolsonaro se pronunciou logo após o pedido da PGR. Segundo seu advogado, o ex-presidente “sempre repudiou todos os atos ilegais e criminosos” e sempre agiu como “defensor da Constituição e da democracia ”. A nota afirma ainda que Bolsonaro “repudia veementemente” a depredação do patrimônio público e nega qualquer“ relação ou participação nestes movimentos sociais espontâneos realizados pela população”. Embora a veiculação tenha ocorrido na terça-feira, portanto dois dias após as invasões, o procurador Carlos Frederico Santos, autor da representação, argumenta que o vídeo pode estimular novas investidas golpistas e enquadra o ex-presidente por indícios de “incitação pública à prática de crime”. Ao STF, ele pede apuração “global dos atos praticados (por Bolsonaro) antes e depois de 8 de janeiro”. O procurador também solicita providências para que o vídeo em questão seja recuperado.

Em seu despacho, Alexandre de Moraes ordena que sejam ouvidos especialistas capazes de mensurar o alcance da publicação, assim como o impacto do vídeo em grupos bolsonaristas nos aplicativos de bate-papo. O ministro não determinou que Bolsonaro seja ouvido. Alegou que, como o investigado não está no Brasil, esse tópico será analisado “em momento oportuno”. Os ataques ao Palácio do Planalto, Congresso e STF deram origem a diferentes inquéritos, divididos em núcleos de atuação. Eles investigam a participação de executores, financiadores, autoridades públicas e, por último, autores intelectuais e instigadores, que vai abarcara atuação de Bolsonaro. O ex-presidente está nos Estados Unidos desde 30 de dezembro.

O pedido feito pelo Ministério Público foi a segunda má notícia para o ex-presidente em 24 horas. Anteontem, veio a público que a Polícia Federal encontrou na casa do ex-ministro da Justiça Anderson Torres o esboço de um decreto que permitiria a Bolsonaro fazer uma intervenção no Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ele teria poderes para suspender os poderes de ministros da Corte e instalar uma comissão para rever o resultado da eleição do ano passado, da qual saiu derrotado.

A minuta foi apreendida pela PF na casa de Anderson Torres, alvo de um mandado de prisão determinado por Alexandre de Moraes. Nesse caso, ele é investigado por conta da sua atuação como secretário de Segurança Pública do Distrito Federal, cargo que assumiu ao deixar o ministério. O inquérito contém indícios de que Torres teria sabotado o esquema de segurança montado para evitar investidas violentas do domingo.

Aliados admitem revés

A sucessão de episódios que envolvem suspeitas de crimes e o avançar das investigações têm acentuado o isolamento do ex-presidente, admitem aliados. Na avaliação de personagens que participaram da gestão passada, a invasão de bolsonaristas às sedes dos Três Poderes, somadas à descoberta da minuta golpista, legitimam as decisão de Alexandre de Moraes, inclusive as mais enérgicas, contra o expresidente e personagens da órbita dele. O ministro era alvo frequente de ameaças e xingamentos de Bolsonaro. No PL, partido do ex-presidente, já há a expectativa de que outros antigos auxiliares de Bolsonaro também entrem na mira das investigações.

A legenda deve arcar com os custos da defesa do seu principal filiado. Para além da trincheira judicial, o degaste político também é evidente, de acordo com aliados. Até o mês passado, ele era tratado pelo presidente do PL, Valdemar Costa Neto, como pré-candidato à Presidência em 2026. Nos dias posteriores aos ataques violentos entretanto, correligionários já apostavam que o ex-ocupante do Planalto estava inviabilizado. O discurso tornou-se ainda mais pessimista após a apreensão realizada na casa de Anderson Torres.

Filho mais velho do ex-presidente, o senador Flávio Bolsonaro, que também está nos EUA, deve chegar ao Brasil amanhã para participar de uma reunião d abancada do PL na terça-feira. Na ocasião, os senadores do partido deverão avaliar de que forma os desgastes à imagem doe x-mandatário podem afetara candidatura de Rogério Marinho(PLRN)à presidência da Casa.