Valor Econômico, v. 20, n. 4886, 23/11/2019. Política, p. A10

CNMP estuda estabelecer controle sobre delações

 Luísa Martins 


O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) estuda a elaboração de uma norma administrativa para que os termos das colaborações premiadas sejam analisados em dois graus dentro da instituição, sob a alegação de que assim se poderia evitar possíveis abusos.

Nos bastidores do órgão, há uma compreensão de que, atualmente, cada promotor pode fixar as cláusulas da maneira que entende ser a mais adequada - o que geraria acordos juridicamente frágeis e até mesmo arbitrários. Submetê-los a um segundo crivo seria uma forma de controlar a razoabilidade das delações.

Instituído em 2013, o instrumento da colaboração premiada ganhou notoriedade a partir da Operação Lava-Jato, deflagrada no ano seguinte. A lei prevê que um investigado, ao detalhar voluntariamente ao Ministério Público (MP) o funcionamento de uma organização criminosa, possa obter perdão judicial e ter sua pena privativa de liberdade reduzida em até dois terços. O acordo deve ser submetido à homologação de um juiz.

O que o CNMP cogita é estabelecer mecanismos de controle antes de as cláusulas da delação serem enviadas ao juízo competente, para validação.

Em primeiro lugar, a ideia é exigir oficialmente a atuação colegiada dos promotores. Hoje em dia, isso já é feito no âmbito das chamadas forças-tarefas, mas não está previsto em qualquer lei ou norma. Se isso for formalizado, dizem fontes ouvidas pelo Valor, criaria-se um ambiente de autofiscalização que daria mais segurança jurídica ao acordo, beneficiando tanto o MP quanto o colaborador.

Esta primeira análise conjunta evitaria que ao réu fossem concedidos favores demais - não atendendo ao que a sociedade exige em relação ao combate à corrupção - ou de menos, o que violaria os direitos do delator.

Como o Judiciário não entra no mérito do acordo, limitando-se a analisar a sua regularidade, legalidade e seu caráter voluntário, há uma brecha para a homologação de delações juridicamente questionáveis. Já houve situações, por exemplo, em que a pena fixada pelo MP na colaboração premiada era maior do que a prevista em lei caso o investigado decidisse não assiná-la.

Além dos trabalhos em conjunto, uma segunda iniciativa seria a instauração de uma câmara revisora no Ministério Público - uma espécie de segundo grau de exame dos termos do acordo proposto a um réu. A medida já é utilizada no âmbito das ações civis públicas, que envolvem danos ao meio ambiente e à coletividade: quando um promotor decide engavetar um desses procedimentos, compete a essa câmara verificar se tal arquivamento não vai gerar prejuízos à sociedade.

Membros do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) encamparam a iniciativa junto ao CNMP após a leitura do livro “Colaboração Premiada - Caracteres, limites e controles”, lançado mês passado pelo ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Néfi Cordeiro.

Na obra, ele reconhece a eficiência da delação premiada na persecução do crime organizado, mas aponta lacunas na parte prática, como ajustes “criativos” nas cláusulas dos acordos que acabam extrapolando os limites legais. Cordeiro propõe, além de métodos de controle dentro do MP, que o juiz, no momento da homologação, se aprofunde em questões envolvendo a lei, a Constituição e o Código Civil.