Valor Econômico, v. 20, n. 4886, 23/11/2019. Política, p. A8

Barroso tende a divergir de Toffoli

Luísa Martins
Isadora Peron


O Supremo Tribunal Federal (STF), em 2015, admitiu denúncia contra um líder garimpeiro do Pará oferecida apenas com base em um relatório do antigo Coaf, rebatizado

Unidade de Inteligência Financeira (UIF).

Quatro anos depois, a medida causa divergência entre ministros da Corte, que na quarta-feira continuam a julgar a necessidade ou não de aval judicial para que órgãos de controle - como Receita Federal e UIF - possam compartilhar dados fiscais sigilosos com o Ministério Público (MP), para fins penais.

Se prevalecer o entendimento do ministro Dias Toffoli, presidente do STF e relator do caso, diversas acusações podem ser paralisadas ou anuladas - algumas contra políticos, como o senador Flávio Bolsonaro (ex-PSL), e outras contra cidadãos sem exposição pública, exemplo do garimpeiro Gessé Simão de Melo.

Ex-presidente da Cooperativa de Mineração dos Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp), Melo foi denunciado pelo MP do Pará em 2012 por apropriação indébita, formação de quadrilha e lavagem de dinheiro.

O antigo Coaf constatou movimentações financeiras atípicas envolvendo a cooperativa e a empresa Colossus Geologia, que formavam sociedade anônima para viabilizar a exploração de ouro, paládio e prata na região. O relatório também apontou que Melo recebia valores “exorbitantes” em sua conta pessoal e repassava parte da verba a servidores sem vínculo com a Coomigasp.

Desde o início do processo, a defesa alega que a acusação é ilegal, pois ancorou-se apenas em relatório do Coaf - o que, por si só, não comprovaria a materialidade delitiva e a existência de indícios suficientes de autoria.

Quando o caso chegou ao STF, o ministro Luís Roberto Barroso rejeitou seu habeas corpus (HC) e negou o trancamento da ação penal, mantendo decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

“Não há nulidade em denúncia oferecida pelo Ministério Público cujo supedâneo foi relatório do Coaf, que, minuciosamente, identificou a ocorrência de crimes vários e a autoria de diversas pessoas”, escreveu.

De acordo com Barroso, não é preciso sequer um inquérito policial para fundamentar uma acusação - basta que o MP tenha reunido informações suficientes.

O teor do despacho de 2015 é um indicativo de que ele tende a acompanhar a divergência aberta semana passada pelo ministro Alexandre de Moraes - até agora, depois do relator, ele foi o único a se manifestar.

Diferentemente de Toffoli, que vê nos relatórios de inteligência apenas um meio de obtenção de prova, Moraes entende que os documentos podem sim, sozinhos, embasar uma denúncia - e que, para isso, não é preciso autorização judicial prévia.

A partir de quarta-feira, além de Barroso, votam os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes, Marco Aurélio e Celso de Mello.

No decorrer das próximas sessões, os ministros devem debater se o julgamento deve se limitar às informações da Receita ou ser estendido à UIF. Apesar de Toffoli e Moraes terem incluído os dois órgãos em seus votos, há uma tendência de que a maioria se manifeste pela restrição do escopo, já que o recurso em análise - sonegação fiscal por parte de um posto de gasolina em São Paulo - trata apenas da Receita.

Até a conclusão do julgamento, prevalece a liminar, concedida em julho por Toffoli, de suspender investigações que tenham sido abertas com base em dados compartilhados com o MP sem autorização do Judiciário - o que beneficia o filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro.

Flávio é suspeito de desvios de salários de servidores na Assembleia

Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Procuradores do MP fluminense ouvidos pelo Valor afirmam que, por força da liminar, estão suspensos pelo menos outros dez casos da chamada “rachadinha”.

A defesa do senador alega que as movimentações bancárias do senador foram encomendadas pelo MP do Rio ao antigo Coaf, o que seria ilegal - tese defendida por Toffoli.