Valor Econômico, v. 20, n. 4808, 06/08/2019. Brasil, p. A7

Cade paralisa julgamentos por falta de quórum

Juliano Basile



O fato de o presidente Jair Bolsonaro estar lidando no Senado com a indicação de um de seus filhos, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para a embaixada do Brasil em Washington afetou o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que está sem quórum mínimo para julgar operações de compras e vendas no país. Vários negócios entre empresas estão paralisados sem condições de serem aprovados e também não podem ser realizados julgamentos de processos sobre companhias acusadas de corrupção e até mesmo de investigações de empresas no âmbito da Operação Lava-Jato.

Na semana passada, Bolsonaro retirou da agenda as indicações feitas pelos ministros da Justiça, Sergio Moro, e da Economia, Paulo Guedes, para duas vagas no Cade. Vinícius Klein, procurador do Paraná, foi escolhido por Moro, e Leonardo Bandeira Rezende, que atuou no Departamento de Economia da PUC-Rio, foi indicado por Guedes.

Essas indicações foram feitas em maio, mas surgiu a iniciativa do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AL), de também indicar nomes para o Cade. Ao fazer isso, ele teria deixado o plenário do Senado mais permeável à indicação de Eduardo Bolsonaro para a embaixada de Washington.

O tribunal do Cade está sem quatro conselheiros, de um total de sete. Eles precisam ser aprovados pelo Senado para julgar operações de compras e vendas de empresas no Brasil.

"Nós estamos há quase um mês sem quórum e isso poderá afetar a economia", afirmou a conselheira Paula Farani de Azevedo Silveira. Segundo ela, há vários casos importantes para o mercado que simplesmente não podem ser analisados nem aprovados, como aquisições de empresas e contratos de "joint venture".

Isso está ocorrendo com a compra da Nextel pela América Móvil, com o acordo para a distribuição de bebidas da Red Bull pela Ambev e em operações do Banco Original e do Itaú Unibanco. A última sessão de julgamentos ocorreu em 8 de julho. Atualmente, não há previsão de data para julgar esses processos. Diante disso, as companhias estão sem prazos para obter aval para operações.

"Algumas empresas vão fechar considerando a suspensão do prazo", afirmou o advogado Aurélio Marchini, que atua em casos de companhias no Cade. "E outras estão pedindo liminar para fechar as operações", completou ele, referindo-se a ações na Justiça para garantir que as operações não fiquem dependendo de um retorno até agora indefinido de mandatos de conselheiros para o tribunal.

As investigações relacionadas aos casos de corrupção continuam sendo realizadas pela Superintendência do Cade, que ainda pode analisar esses processos, mas, como o tribunal está sem quórum, não podem ser marcados julgamentos finais que envolvem penas a empresas entre 0,1% e 20% do faturamento.

Durante os governos de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Dilma Rousseff (PT), os nomes indicados para o Cade foram de economistas e advogados. Os presidentes do Cade foram os economistas Gesner Oliveira e Elizabeth Farina, o juiz João Grandinho Rodas, e os advogados Arthur Badin, Fernando Furlan e Vinícius Carvalho.

O Cade está sob o comando de Alexandre Barreto de Souza, que veio do Tribunal de Contas da União (TCU), onde investigou casos de cartéis em licitações, e foi escolhido por Michel Temer.

Além dele, o órgão conta ainda com os conselheiros Mauricio Oscar Bandeira Maia e Paula Farani de Azevedo Silveira.

Em entrevista ao Valor, Paula afirmou que o Cade precisa ser preservado e fortalecido, o que "só será possível com bons nomes de pessoas vinculadas com o tema". Ela disse lamentar que os ministérios da Economia e Justiça tivessem de retirar suas indicações para preencher as vagas em aberto no conselho e argumentou que "é preciso lembrar" que o conselho "é um órgão de Estado, não de governo", que precisa agir com independência. "A retirada da indicação de nomes altamente qualificados e em estágio avançado de consideração causa imenso prejuízo não só à imagem como também ao funcionamento da própria instituição, que ficará sem quórum por mais tempo", afirmou.

Segundo ela, a falta de quórum implica atrasos "lamentáveis". "Temos termos de compromisso de cessação em andamento que não podemos concluir e, desde 2 de julho, até as fusões mais simples que já foram aprovadas e publicadas no 'Diário Oficial' não podem ser consumadas."

Para a conselheira, o Cade precisa evoluir "e isso não será possível se não tivermos indicações de renomados juristas e economistas com experiência nessa área do direito". Segundo Paula, "a indicação de 'outsiders' representa um custo e atraso para o Estado, pois a curva de aprendizado [do funcionamento do órgão antitruste] é longa".

Ela afirmou que, com a Operação Lava-Jato, "o Cade se tornou uma instituição atraente e a disputa pelos cargos se acirrou". Para a conselheira, a participação do Senado na escolha dos conselheiros é saudável e faz parte do processo democrático.

A conselheira disse que o órgão tem vários desafios para o segundo semestre, entre os quais liderar um esforço no Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) para consolidar as melhores práticas antitruste sobre mercados digitais.