O Globo, n. 32666, 13/01/2023. Economia, p. 16

Haddad lança pacote de R$ 243 bi para reduzir rombo

Manoel Ventura
Cássia Almeida
Raphaela Ribas


O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, lançou ontem uma série de medidas econômicas para melhorar as contas públicas. As ações preve em aumentara arrecadação do governo federal em R$ 192,7 bilhões, além de um corte de gastos de R$ 50 bilhões. São medidas que incluem reoneração de impostos e uma espécie de Refis de dívidas tributárias. No total, as medidas somam R$ 242,7 bilhões, entre receitas e cortes de gastos.

As iniciativas seriam suficientes para reverter o déficit e recolocar o país no azul em 2023. Mas o próprio ministro admitiu que o efeito pode ficar abaixo do esperado. Além disso, o governo não apresentou nenhuma ação efetiva de corte de gastos, apenas disse que irá diminuir as despesas.

Foi fixado no Orçamento de 2023 um rombo de R $231 bilhões( equivalente a 2,1% do PIB). Com as medidas anunciadas, o déficit se transforma em um superávit de R$ 11 bilhões (0,1% do PIB).

— A metade cada ação zera o déficit, mas nós sabemos que isso não vai ser atingido. M esmoque agente tome medidas para repor a frustração, tem um atraso que vai acontecer. E há despesas que podem surgir, porque agente não recebeu o governo com transparência. Mas nós entendemos que essas medidas, aprovadas pelo Congresso, se tiver uma resposta da autoridade monetária, nós podemos pensar 2023 com déficit inferiora 1% do PIB. Vamos persegui ressa meta—disse Haddad, embora a apresentação do ministério mostre o superávit.

Para Haddad, o déficit primário deste ano deverá ser entre R$90 bilhões e R$100 bilhões, considerando essa estimativa próxima a 1% do PIB.

Além de Haddad, as ministras Simone Tebet (Planejamento) e Esther Dweck (Gestão e da Inovação) participaram do anúncio, assim como os secretários da Receita, Robinson Barreirinhas, e do Tesouro, Rogério Ceron.

Uma das medidas anunciada sé o programa Litígio Zero, espécie de Refis de dívidas tributárias para pessoas físicas e jurídicas, com descontos e prazo de até 12 meses par apagamento( veja quadro ao lado ).

Outra ação anunciada é o fim do desempate a favor dos contribuintes nos julgamentos do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf). Esse modelo substituiu, em 2020, o voto de qualidade —que é o desempate pelo voto duplo de um representante da Receita. O Carf é o tribunal administrativo do Fisco.

Os empates nos julgamentos do Carf costumam ocorrer nos assuntos mais disputados tanto pelas teses jurídicas quanto pelos valores envolvidos. Há hoje cerca de R$1 trilhão em discussão no Carf. São processos que contestam a incidência de tributos e multas aplicadas por auditores fiscais.

Outra medida envolvendo o Carf é a extinção dos recursos para dívidas abaixo de R$ 15 milhões, encerrando o litígio. Hoje a Fazenda recorre automaticamente de uma derrota sofrida na disputa por uma cobrança desse valor. A Fazenda estima que vai arrecadar R$50 bilhões com a “redução de litigiosidade do Carf ”.

Arrecadação maior

Haddad anunciou também que o governo vai elevar em R$ 36,4 bilhões a projeção de receitas neste ano. Isso se refere a uma previsão mais otimista de arrecadação na comparação como projeto orçamentário aprovado pelo Congresso.

A revisão das receitas traz ainda uma novidade: a restrição do aproveitamento do ICMS nos créditos de impostos federais, com potencial de elevar as receitas em R$ 30 bilhões. Na prática, fica excluído o ICMS da base de cálculo dos créditos de PIS/Cofins, como determina decisão do STF.

Na lista de ações também está a volta da cobrança dos impostos federais (PIS/Cofins) sobre combustíveis, com impacto de R$ 28 bilhões. No dia 2, o governo manteve a desoneração da gasolina e do etanol por 60 dias e do diesel e do gás de cozinha por um ano. O próprio ministro, porém, afirmou que o governo ainda não tomou uma decisão sobre o assunto e que isso só será feito após o senador Jean Paul Prates assumir a Petrobras:

— Essa decisão só será tomada quando nós estivermos à frente da Petrobras e no momento adequado. Ela está na planilha, porque é o que a lei hoje está prevendo. Isso não impede o presidente de reavaliar esses prazos.

A Fazenda prevê ainda a reoneração do PIS/ Cofins sobre a receita financeira de grandes empresas, um dos últimos atos da gestão Jair Bolsonaro, com impacto de R$ 4,4 bilhões.

Conforme autorizado pela “PEC da Transição”, o ministério pretende também injetar R$ 23 bilhões em receitas do PIS/Pasep que estão paradas em contas há mais de 20 anos.

Já do lado das despesas, o governo espera cortar R$25 bilhões com a revisão de contratos e programas.

— Não significa que vão anular e cancelar, vão analisar caso acaso — explicou Tebet. —Todos os ministérios deverão avaliar a necessidade de manutenção dos contratos realizados na gestão passada.

Carta ao Banco Central

O ministro afirmou que o pacote de medidas é uma “carta para o Banco Central”. A equipe do ministro espera que as medidas sejam lidas pelo BC como elementos para mitigar os riscos fiscais, sendo possível assim reduzir os juros — hoje em 13,75% ao ano.

— Do mesmo jeito que estamos fazendo uma leitura da carta do Banco Central, o Banco Central vai fazer uma leitura da nossa carta. Isso é uma carta para o Banco Central, vamos trocando cartas até o dia em que agente celebra um entendimento maior —disse Haddad.

Para o advogado tributarista Eduardo Lustosa, o Litígio Zero será importante para aliviar o caixa das empresas. A sua percepção, contudo, não é a mesma sobre a exclusão do ICMS da base de cálculo dos créditos de PIS/Cofins:

— Perdendo o direito deste crédito, o empresário tem menos desconto e, portanto, vai pagar mais. Com isso, o tributo sobre o produto aumenta e, consequentemente, é repassado ao consumidor final.

Sergio Vale, economista chefe da MB Associados, afirma que é factível um déficit primário de 1%. O fim das desonerações, a receita com PIS/ Pasep, o crédito do ICMS e a revisão das receitas é o que se consegue ganhar este ano em arrecadação, em sua opinião:

— Com o Carf,em termos de recursos,é muito difícil acontecer a previsão do governo, está excessivamente otimista.

Carla Mendes Novo, pesquisadora do Núcleo de Estudos de Tributação do Insper, acredita que as medidas em relação ao Carf serão objeto de muito debate e podem ser questionadas, em especial a extinção do voto de qualidade:

— Essas mudanças trazem insegurança jurídica. Mudou em 2020, agora de novo. Essa medida pode se reverter contra o Fisco. Ao não resolver na esfera administrativa, o contribuinte pode recorrer à Justiça.

Para Margarida Gutierrez, professora da Coppead/UFRJ, é muito positiva a preocupação com o déficit primário, que vai definira trajetória da dívida pública. Ela diz, porém, que há muita incerteza em relação às receitas, inclusive à nova estimativa de arrecadação eàre oneração dos combustíveis, que aindaé incerta:

— As medidas de corte de gastos estão muito genéricas. São R$ 50 bilhões de ajuste sem muita explicação.