Valor Econômico, v. 20, n. 4885, 22/11/2019. Legislação & Tributos, p. E1

Advogados e CNJ divergem sobre correção de precatórios

Beatriz Olivon



A proposta de atualização da Resolução nº 115, que trata do pagamento de precatórios pelos tribunais, gerou um embate entre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e a advocacia. O texto, que será votado pelo Plenário do órgão, prevê a aplicação da Taxa Referencial (TR) para a correção dos títulos por um período maior do que o estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), segundo advogados. A diferença seria de cinco meses — o que reduziria os valores a receber.

A resolução foi revisada por estar defasada. Foi editada em 2010 com base na Emenda Constitucional (EC) nº 62, de 2009, declarada inconstitucional pelo Supremo em 2015. O novo texto foi entregue ao presidente do Conselho, ministro Dias Toffoli, e busca uniformizar os procedimentos que devem ser seguidos pelos tribunais do país para o pagamento de precatórios.

Naquele julgamento, o STF entendeu que os títulos deveriam ser corrigidos pelo IPCA-E, e não pela TR, como determinava a emenda constitucional. Por meio de modulação dos efeitos da decisão, porém, os ministros decidiram manter a TR até 25 de março de 2015, mesmo considerando a aplicação do índice inconstitucional.

Há uma diferença significativa entre os dois índices. A TR é usada, por exemplo, para corrigir o FGTS. Em 2018, não variou. Mas o IPCA-E alcançou 3,75% no período. E a diferença já foi bem maior, chegando a quase nove pontos percentuais em 2015.
A divergência entre CNJ e advogados está no período de aplicação da TR. O órgão defende que o índice estaria valendo entre junho de 2009, quando entrou em vigor a Lei nº 11.960, e março de 2015. A Ordem dos

Advogados do Brasil (OAB) considera apenas a Emenda Constitucional nº 62, publicada em dezembro de 2009.
Luciano Frota, presidente do Fórum Nacional de Precatórios (Fonaprec) e conselheiro do CNJ, explica que a lei entrou em vigor antes da emenda e já previa a aplicação da TR para a correção dos precatórios. “Quem fala que é de dezembro para frente está diminuindo a TR”, afirma. “O STF não falou dezembro. Estabeleceu IPCA-E a partir de 25 março de 2015 e para trás, poupança. Na época estava vigente a emenda e, antes dela, a Lei nº 11.160. ”

Para a OAB, porém, a resolução traz uma extensão de cinco meses do prazo para uso da TR estabelecido pelo STF. Representante da entidade no Fonaprec, o advogado Eduardo Gouvêa, diz que credores e Ordem ficaram vencidos nas discussões, mas que seria possível reverter no Plenário ou deixar a questão para uma nova resolução. Se não for resolvido de uma dessas formas, acrescenta, poderá ser necessário judicializar a questão.

Marco Antonio Innocenti, sócio da Innocenti Advogados e presidente da Comissão de Estudos de Precatórios do Instituto dos Advogados de São Paulo (IASP), considera o entendimento “um jeito absurdo” de tentar estender o uso da TR. “Isso é ruim, porque vai gerar judicialização”, afirma. Segundo o advogado, reabrir a discussão sobre a correção entre julho e dezembro de 2009 vai prejudicar ainda mais os credores, além de ser um “desserviço” e uma “distorção” da decisão do STF.

Para Innocenti, o Conselho Nacional de Justiça está misturando a decisão do Supremo de 2015 sobre precatórios com uma mais recente, sobre a correção de valores antes da expedição dos títulos, que tratou da Lei nº 11.960, de 2009. ”Fizeram uma lambança com os dois julgamentos”, diz o advogado.

De acordo com ele, o risco é ter um texto aprovado pelo CNJ que depois será judicializado, ao invés de resolver em definitivo todas as interpretações possíveis. “O Conselho fez uma norma para uniformizar o pagamento de precatórios no país, mas tirou da cartola uma lei que ninguém aplicava”, afirma.

Além da correção, o texto prevê a criação de um novo cadastro nacional de inadimplentes. A ferramenta facilitará o bloqueio dos valores repassados pela União, referentes à repartição dos impostos federais. O sistema permitirá o bloqueio automático dos recursos direcionados por meio do Fundo de Participação dos Municípios e do Fundo de Participação dos Estados.

A nova regulamentação trará um mapa consolidado do regime especial. A modalidade é voltada a Estados e municípios em atraso com os pagamentos e permite o parcelamento dos débitos até 2024. Hoje são R$ 114 bilhões em precatórios nessa modalidade, segundo o CNJ.