Valor Econômico, v. 20, n. 4808, 06/08/2019. Brasil , p. A7

Mineradoras questionam ideias para garimpo

Francisco Góes


A defesa veemente da atividade garimpeira pelo presidente Jair Bolsonaro preocupa segmentos da mineração - em especial o da pesquisa -, que ainda não sabem o que esperar ao certo das iniciativas do governo sobre o tema. O Ministério de Minas e Energia (MME) discute a regulamentação da mineração em terras indígenas a partir do que foi estabelecido na Constituição Federal de 1988. O artigo 231 da Constituição permite a atividade mineral em áreas indígenas desde que haja autorização do Congresso Nacional e mediante consulta às comunidades.

"Somos técnicos, o discurso é enfrentar o problema e não fechar os olhos. Queremos o melhor resultado possível", disse ao Valor Alexandre Vidigal, secretário de geologia, mineração e transformação mineral do MME. Vidigal disse que existe recomendação de 2017 do Tribunal de Contas da União (TCU) para se buscar a regulamentação do artigo 231 da Constituição e acrescentou que o trabalho também é feito sob a orientação de Bolsonaro. O presidente disse ao jornal "O Globo" que quer criar "pequenas Serras Peladas" para serem exploradas por grupos estrangeiros e por indígenas. Pesquisa do Datafolha mostrou que 86% dos brasileiros discordam da exploração mineral em terras indígenas.

Serra Pelada, no sudeste do Pará, tornou-se conhecida, nos anos 1980, pela migração em massa de garimpeiros para a região. Essa "corrida" pelo ouro criou problemas ambientais e sociais. Em debate na GloboNews, Vidigal afirmou que uma ideia seria lançar editais sobre áreas de mineração específicas a serem exploradas em processos nos quais as comunidades indígenas seriam ouvidas e, depois, o tema seria submetido ao Congresso, para se obter a autorização.

Na indústria mineral, há quem reconheça as boas intenções de Vidigal, mas desconfie que o projeto conduzido pelo MME pode não "casar" com as ideias de Bolsonaro. "Os mineradores não são contra a legalização do garimpo. Não sabemos ainda se concordamos com a legalização, nos termos que o nosso presidente defende, pois ainda não sabemos as bases e premissas dele, mas esperamos que estas sejam em consonância com as normas vigentes, para o melhor aproveitamento dos recursos minerais, a preservação do ambiente, trazendo assim o desenvolvimento para o nosso país", disse a Associação Brasileira das Empresas de Pesquisa Mineral (ABPM).

O presidente da ABPM, Luis Maurício de Azevedo, disse que as mineradoras pagam taxas e impostos enquanto muitos dos garimpeiros não pagam nada. Especialistas afirmam que existem três tipos de garimpeiros no país: os ilegais, os ilegais que têm potencial de regularização e os legalizados. Apesar das proibições, existem atividades de garimpo ilegal em áreas de conservação ambiental e em reservas indígenas. Vidigal disse que, em agenda em Roraima neste ano, o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, foi procurado por indígenas interessados na mineração. "Queremos enfrentar o problema, mas não se trata de dar salvo-conduto", disse Vidigal.

Cálculos de especialistas indicam que no Pará - onde se concentra o garimpo no país - existem 11 mil requerimentos de permissão de lavra garimpeira (PLG) apresentados à Agência Nacional de Mineração (ANM), responsável pela concessão desses títulos. Até o momento a ANM avaliou 1,8 mil desses requerimentos, mas não concedeu as outorgas por falta de licença ambiental. Hoje a PLG vem acompanhada da exigência de licença. Os pedidos de PLG se concentram em ouro, diamante e cassiterita. O Pará responde por mais de 80% dos requerimentos de lavra garimpeira do Brasil, segundo estimativas de especialistas.

A ABPM considera que, além do número elevado de requerimentos, existe outro problema. Trata-se da concentração de outorgas em poucas pessoas físicas. "Existem duas pessoas físicas 'donas' de uma área [de garimpo] maior do que a zona sul do Rio de Janeiro", disse Azevedo. Uma PLG para pessoa física equivale a 50 hectares. Há, segundo a ABPM, pessoas com cerca de cem PLGs outorgadas, o que supera os 5 mil hectares. A concentração, em poucas mãos, de títulos para lavra garimpeira é ruim, segundo a entidade, pois a PLG tem um tratamento diferenciado em relação às atividades de pesquisa mineral feita por empresas. O título não paga taxa de pesquisa e exige licenciamento anual mais simples.

A ABPM também manifestou, recentemente, preocupação com a edição da portaria nº 108 do MME, que instituiu um grupo de trabalho para estudar a possibilidade de simplificação do regime de outorga de lavra garimpeira. "Infelizmente esta é uma notícia que nos deixa apreensivos. Todos do setor mineral sabem que o garimpo deixou de ser uma 'resultante' social para ser a fonte de trabalho escravo, degradação ambiental, trabalho infantil, bolsões de pobreza, e, infelizmente, são inúmeros os casos de relações incestuosas de 'donos de garimpo' com políticos e até de tráfico de drogas", disse a ABPM em nota logo depois da publicação da portaria nº 108, em julho.

Fontes próximas da ANM dizem que o trabalho do grupo criado pela portaria se concentra na revisão normativa da lavra garimpeira. O objetivo é facilitar a regularização, pelo garimpeiro e fazer com que esse procedimento possa ser feito on-line. Também se estuda fazer o monitoramento por satélite das áreas que são requeridas para o garimpo. Um dos desafios é a fragilidade da agência na fiscalização. Em Itaituba, no sudoeste do Pará, a ANM tem dois servidores para cuidar de dez mil solicitações de lavra garimpeira. "Garimpeiros de Itaituba jogam um Brumadinho por ano no rio Tapajós", disse fonte do setor, referindo-se aos impactos ambientais do garimpo ilegal.

Para o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), como a regulamentação da exploração mineral em terras indígenas depende das autoridades não cabe qualquer iniciativa por parte das empresas do setor, a não ser "respeitar a legislação" vigente. A entidade sugere que o governo elabore mapeamento geológico para se estabelecer possíveis ocorrências de minérios nessas áreas. O Ibram reconhece, contudo, que há ocorrências de garimpos ilegais nas terras indígenas do Brasil, com danos ao ambiente e riscos aos indígenas. "Enquanto isso, países concorrentes em mineração, como Canadá e Austrália, adotaram, há muitos anos, políticas que permitem a atividade minerária nas terras indígenas, que são consideradas exemplares." A AngloGold Ashanti sinalizou que continuará a investir onde tem operações. A empresa disse que seus investimentos no Brasil estão concentrados na expansão de suas minas em Minas Gerais e Goiás