Valor Econômico, v.20, n. 4927, 27/01/2020. Brasil p.A2

 

Emprego melhora, mas diferença salarial entre contratados e demitidos cresce

 

Thais Carrança

Lu Aiko Otta

Mariana Ribeiro

 

A diferença de salários entre demitidos e admitidos no mercado de trabalho formal aumentou nos últimos meses de 2019. Esse é um sinal de que, apesar da melhora na geração de empregos com carteira assinada no ano passado, ainda não há pressão no mercado de trabalho, o que deve contribuir para um cenário inflacionário tranquilo em 2020, reforçando a hipótese de que ainda há espaço para mais corte de juros pelo Banco Central.

Conforme série com ajuste sazonal pelo Itaú Unibanco, a partir de dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), em dezembro, o salário médio de admissão no país estava em R$ 1.573, comparado a um salário médio de demissão de R$ 1.785, uma diferença de R$ 212. Esse intervalo estava em R$ 209 em novembro e em R$ 177 em outubro, o que mostra tendência de aceleração da distância nos dados mais recentes.

A diferença entre o salário de demissão e o de admissão é uma medida do aquecimento do mercado de trabalho”, afirma Luka Barbosa, do Itaú Unibanco. “Se o salário de demissão está muito distante do de admissão, isso quer dizer que o mercado está demitindo gente cara e contratando gente barata. Significa que não há pressão no mercado de trabalho, que ainda há muito desemprego, o que permite a contratação a salários baixos.”

Segundo Barbosa, isso ajuda a explicar por que a economia voltou a crescer, mas ainda não há pressão inflacionária. Em meados de janeiro, o Itaú revisou para baixo sua expectativa para a variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 2020, de 3,5% para 3,3%, abaixo da meta de 4%. “Não há sinal de que a capacidade ociosa no mercado de trabalho esteja acabando mais rápido do que o imaginado.”

Ainda conforme o economista, a tendência também indica que ainda há espaço para a continuidade do afrouxamento monetário. O Itaú aposta em mais dois cortes de 0,25 ponto percentual, que levariam a Selic a 4% ao ano.

Na sexta-feira, o Ministério da Economia informou que, em 2019, foram abertas 644,1 mil vagas com carteira de trabalho assinada, acima

das 529,6 mil criadas em 2018. Esses números consideram o dado ajustado para incluir informações enviadas com atraso pelas empresas.

O contrato intermitente, modalidade criada pela reforma trabalhista, explicou parte razoável da melhora do emprego formal em 2019, em relação a 2018. O saldo de empregos intermitentes foi de 85,7 mil vagas em 2019, contra 51,2 mil no ano anterior, crescimento de 34,5 mil. Assim, das 114,5 mil vagas com carteira geradas a mais em 2019, 30% são explicadas pelo emprego intermitente, no qual o trabalhador fica contratado, mas pode ser chamado ou não para trabalhar. Esses empregos também costumam ter menor remuneração.

Para o pesquisador Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), a composição dos setores que mais geraram vagas é outro fator que explica o melhor resultado do mercado de trabalho em 2019, apesar da expectativa de desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) parecido nos dois anos - em 2018, houve uma expansão de 1,3%, enquanto o consenso dos analistas aponta para uma alta de 1,2% em 2019.

No ano passado, a construção civil e o comércio foram os grandes destaques na criação de vagas formais, com 71 mil postos e 145 mil respectivamente, contra 18 mil e 102 mil em 2018. “São justamente setores que empregam muito. Quando você aumenta a atividade no comércio e na construção, a alta do emprego em geral costuma ser bastante próxima”, diz Duque. Ambos os setores têm sido impulsionados pela queda do juros e pela maior oferta de crédito.

Para 2020, a FGV estima abertura de 900 mil empregos com carteira e um crescimento do PIB acima de 2%. Já o Itaú vê criação de 915 mil postos formais este ano, com um PIB em alta de 2,2%.

“Devemos ter maior abertura de empregos este ano do que no ano passado”, prevê Barbosa. O economista calcula, porém, que devem ser necessários ainda dois anos para o país recuperar o estoque de vagas com carteira anterior à recessão. Entre 2015 e 2017, o Brasil fechou 2,9 milhões de empregos formais. Já em 2018 e 2019, foram abertas 1,2 milhão de vagas. O estoque de empregos formais, que era de 41 milhões em 2014, fechou o ano passado em 39 milhões. Assim, seriam necessários dois anos gerando cerca de 1 milhão de empregos para retomar o patamar pré-crise.

O secretário de Trabalho do Ministério da Economia, Bruno Dalcolmo, disse na sexta-feira que a criação de 644 mil vagas de trabalho com carteira assinada no país em 2019 é positiva, mas que é preciso “batalhar pelo 1 milhão”. A última vez que a marca foi batida foi em 2013, quando 1,1 milhão de postos foram criados. “O emprego tem dado mostras de vigor e sustentabilidade. A tendência é de alta”, disse ele.