O Estado de São Paulo, n. 46826, 31/12/2021. Metrópole p.A12

 

MEC proíbe federais de exigir vacina e reitores e partidos vão ao Supremo

Luci Ribeiro

Ana Paula Niederauer

Luiz Henrique Gomes

 

O ministro da Educação, Milton Ribeiro, decidiu proibir as instituições federais de ensino de exigir a vacinação contra covid-19 como condicionante ao retorno das atividades educacionais presenciais. Como resposta, os reitores, PSOL e Rede vão acionar o Supremo Tribunal Federal (STF). Uma ação já foi protocolada ontem.

Conforme a determinação do ministro, compete a essas instituições federais a implementação dos protocolos sanitários e a observância das diretrizes estabelecidas por resolução do Conselho Nacional de Educação de agosto deste ano, independentemente de normas locais. A decisão consta de despacho assinado pelo ministro em que aprova parecer da Consultoria Jurídica junto ao Ministério da Educação (MEC) – anteriormente, em outubro, a Universidade Federal de Santa Maria havia feito uma consulta a respeito. O despacho está no Diário Oficial da União (DOU) desta quinta.

O documento diz que “a exigência de comprovação de vacinação como meio indireto à indução da vacinação compulsória somente pode ser estabelecida por meio de lei, consoante o entendimento firmado pelo Supremo Tribunal”. Sobre as universidades e os institutos federais, o ato do ministro diz que, “por se tratar de entidades integrantes da Administração Pública Federal, a exigência somente pode ser estabelecida mediante lei federal, tendo em vista se tratar de questão atinente ao funcionamento e à organização administrativa de tais instituições, de competência legislativa da União”.

A Rede Sustentabilidade já protocolou ontem no Supremo pedido de suspensão da medida. No Twitter, o senador Randolfe Rodrigues (RedeAP) informou a inclusão do pedido em solicitação do partido, já atendida em caráter liminar pelo ministro Luís Roberto Barroso, que suspendeu dispositivos de uma portaria do Ministério do Trabalho que proibia empresas de demitirem funcionários que não estejam vacinados ou de exigirem o comprovante de vacinação na hora de contratar o trabalhador. “Já há decisão do STF sobre a constitucionalidade de exigência do passaporte da vacinação e devemos garantir a autonomia administrativa das universidades federais, prevista na Constituição.”

O PSOL também quer entrar com ações no Supremo Tribunal Federal. Para o presidente nacional do PSOL, Juliano Medeiros, o despacho é inconstitucional. “Essa medida é uma afronta à autonomia universitária. Pior ainda: é um desrespeito à saúde pública. Nada que surpreenda em se tratando de um governo de negacionistas que dificulta até a vacinação de crianças”, disse ao Broadcast Político.

Já a Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) avalia entrar na próxima semana com uma ação no STF contra a decisão do MEC. De acordo com Marcus Vinicius David, presidente da Andifes, a decisão do ministério contraria o princípio de autonomia das universidades. “Nós temos absoluta segurança e convicção de que as nossas instituições têm toda a capacidade no âmbito interno para implementar os protocolos necessários no processo de retomada das atividades presenciais”, disse.

Segundo David, a determinação do MEC surpreendeu os reitores das universidades. “É uma decisão que cria muitas dificuldades para as universidades, tem as que prepararam todo o seu protocolo de retorno”, afirmou o presidente. Para David, o debate sobre os dilemas da vacinação está ultrapassado. “Temos de fazer um trabalho forte para vacinar toda a população e não tomar medidas que vão no sentido contrário a isso. Temos de estimular as pessoas a se vacinarem para superar logo essa pandemia.”

FACULDADES E ALUNOS. Após o despacho do MEC, pelo menos três universidades federais afirmaram nesta quintafeira que vão manter o passaporte vacinal. A Federal do Rio (UFRJ), maior instituição do gênero no País, afirmou que a decisão desrespeita a autonomia universitária e nega a importância da vacina para o enfrentamento da pandemia. “A necessidade de comprovação vacinal completa contra a covid-19 expressa o compromisso das instituições com suas comunidades e com o bem comum da população.”

As Federais da Bahia (UFBA) e do Pará (UFPA) também se posicionaram contra a medida e vão manter o passaporte vacinal. AUFBA disse que a medida “causa perplexidade”. “O Ministério da Educação parece decidir em favor do vírus.” Já a UFPA diz que desde o início da pandemia a instituição segue princípios científicos para basear as decisões e o MEC “em nenhum momento explicita o fundamento científico da autorização de frequência às aulas por pessoas que recusam a vacinação”.

Presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Bruna Brelaz usou as redes sociais para criticar a decisão de Ribeiro. “Não basta desrespeitar a autonomia das instituições, o governo ainda quer estabelecer o negacionismo como prática, colocando a vida dos estudantes em risco.” Em nota, a UNE disse que o Executivo “joga a favor do vírus” e briga com as vacinas. “O governo Bolsonaro, além de irresponsável, é contra a vida.” Procuradas, UnB e UFG informaram, porém, que vão reavaliar restrições.

Uma nota assinada por 17 associações ligadas à educação e à pesquisa científica criticam a decisão do MEC “por impossibilitar – verbo que emprega o ato ministerial – a adoção de medidas indispensáveis para garantir o direito, também constitucional, à vida”. As entidades também citam o desrespeito à autonomia universitária, estabelecida na Constituição Federal em vigor.

Após a repercussão, o MEC divulgou nota de esclarecimento em que ressalta que a competência é da União para legislar sobre “condicionantes relacionadas ao exercício do trabalho por servidores públicos federais (como é o caso do passaporte da vacina)” e “não se vislumbra liame jurídico direto entre a capacidade de auto-organização administrativa das universidades e a exigência de vacinação contra determinado agente patógeno de seus docentes e alunos”. O presidente Jair Bolsonaro, que tem atacado restrições e dito que é “melhor perder a vida do que perder a liberdade”, não falou a respeito na live semanal.