Valor Econômico, v. 20, n. 4807, 03/08/2019. Política , p. A6

Bolsonaro diz que Mello feriu autonomia do Poder Legislativo

 Luísa Martins



O Supremo Tribunal Federal (STF) virou o centro das críticas tanto do presidente Jair Bolsonaro quanto da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, durante o fim de semana. Ontem, em duas ocasiões, o presidente voltou suas reclamações ao decano da Corte, ministro Celso de Mello, a quem acusou de interferir no Poder Legislativo ao conduzir o julgamento que tipificou a homofobia como crime de racismo.

Na quinta-feira, Mello deu o voto mais contundente no Supremo durante a sessão que considerou inconstitucional a medida provisória em que o governo retirava da Fundação Nacional do Índio (Funai) a demarcação de terras indígenas. No fim de semana, em entrevista ao "Estado de S. Paulo", disse que Bolsonaro degrada a autoridade do Parlamento. O presidente afirmou a jornalistas estar "chateado" e considerado que Mello "foi muito para o lado pessoal".

Ele participou de um culto comemorativo aos 25 anos da Igreja Apostólica Fonte da Vida. Na cerimônia, reforçou a crítica. "Fui esculachado. Pela maneira como fui tratado, dói no meu coração. Ele interferiu na autonomia do Poder Legislativo", disse, sob aplausos. "Ele é o autor da decisão do Supremo de tipificar a homofobia como racismo fosse. Eu entendo que esse tipo de decisão, que trata da questão penal, quem tem de definir é o Congresso", disse antes do culto.

Em sua manifestação para os fiéis, o presidente disse esperar não ser criticado pelo Judiciário. "Todos nós temos acusações, umas mais graves, outras menos. Mas temos a responsabilidade de tocar o Brasil para frente. Não vou criticar o Legislativo, nem o Judiciário. E espero que eles não me critiquem também", afirmou.

Bolsonaro declarou ainda que cabe ao ministro da Economia, Paulo Guedes, a decisão sobre manter ou não no cargo o presidente do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), Roberto Leonel, que foi indicado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro. Leonel sofre críticas internas do governo por ter contestado a decisão do ministro Dias Toffoli, presidente do STF, que suspendeu todos os inquéritos que tratassem sobre compartilhamento de dados fiscais, sem autorização judicial, entre Coaf e Ministério Público. A determinação travou a investigação sobre o senador Flavio Bolsonaro (PSL-RJ), filho do presidente.

"Eu dei carta branca a todos os ministros para indicar as pessoas. O Coaf, na medida provisória da reestruturação, estava com a Justiça. A partir do momento que vai para a Economia, o Paulo Guedes que decida. Ou alguém está desconfiando do Paulo Guedes?", disse. "Se ele quiser mudar, que mude, não tem problema nenhum".

Bolsonaro, contudo, apontou que a autonomia dos ministros não é ilimitada. Ele disse que o ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) Ricardo Galvão foi retirado do cargo por força do seu comando, e não por iniciativa própria do ministro Marcos Pontes (Ciência e Tecnologia). "Tem certas coisas que eu não peço. Certas coisas eu mando. É por isso que sou presidente".

O presidente minimizou o fato de ter, ao longo da vida pública, nomeado familiares para trabalhar com ele em seus gabinetes. E acrescentou que seu ministros também o fazem "com toda a certeza". "Já botei no passado parentes nos gabinetes, sim, antes da decisão de que o nepotismo seria crime, disse, ao ser questionado sobre a reportagem do jornal "O Globo" que mostrou que o clã Bolsonaro, em 28 anos, nomeou 102 pessoas com laços familiares. "Tem ministros, com toda a certeza, que tem parentes empregados no governo, e daí?", comentou. O presidente está no centro de uma polêmica sobre nepotismo ao ter anunciado que indicará o filho, o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) para a Embaixada do Brasil em Washington. O presidente não quis, porém, comentar se defende ou não uma mudança da lei. "No caso do meu filho, não é nepotismo. Ele tem competência".

O Supremo também esteve na mira do Ministério Público na questão do inquérito que apura casos de "fake news", injúrias e ameaças contra ministros da Corte. No sábado, a Procuradoria-Geral da República (PGR) divulgou parecer em que defende o encerramento da investigação. "O STF deve se manter adstrito ao regime democrático, ao devido processo legal, ao sistema acusatório e às liberdades de expressão e de imprensa", criticou Dodge.