O Globo, n. 32665, 12/01/2023. Brasil, p. 10

Samba e ritual indí­gena nas pos­ses de Ani­elle e Sônia

Karolini Bandeira
Bruno Góes


A posse das ministras Sônia Guajajara (Povos Indígenas) e Anielle Franco (Igualdade Racial) no Palácio do Planalto ontem se transformou em um ato contra bolsonaristas e golpistas que invadiram as sedes dos três poderes no domingo. Foram as últimas do ministério de 37 pastas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que esteve na cerimônia, com outros ministros e a ex-presidente Dilma Rousseff. Antes da posse de ontem, que teve cerimônias indígenas e a apresentação de um samba-enredo, Lula só havia ido à do vice-presidente Geraldo Alckmin como ministro da Indústria e Comércio.

— Sônia Guajajara e Anielle Franco convocam todas as mulheres do Brasil para dizermos juntas: nunca mais vamos permitir um outro golpe — disse a primeira ministra indígena do país, ao puxar um grito que foi repetido pela plateia: — Sem anistia!

Injúria como racismo

Lula aproveitou a solenidade para sancionar a lei que tipifica injúria racial como racismo. A injúria racial é a ofensa direcionada a uma pessoa, e no racismo, a ofensa é contra uma coletividade. Até então, os dois atos possuíam penalidades diferentes, sendo o racismo inafiançável.

Guajajara reforçou a meta de demarcar territórios e ampliar a cobertura de saúde nas regiões indígenas.

A ministra anunciou a recriação do Conselho Nacional de Política Indigenista, que garante a participação paritária entre representações de originários.

“Tenho dedicado cada minuto da minha vida a lutar por justiça, defender a memória” Anielle Franco, ao lembrar a vereadora Marielle, assassinada em 2018, no discurso de posse

A pasta terá um secretariado totalmente indígena. Eloy Terena será o secretário-executivo. Jozi Kaigang, chefe de Gabinete. Eunice Kerexu, secretária de Direitos Ambientais e Territoriais. Ceiça Pitaguary, secretária de Gestão Ambiental e Territorial Indígena. Juma Xipaia, secretária de Articulação e Promoção de Direitos Indígenas. Marcos Xucuru será o assessor especial da pasta.

Guajajara lembrou que há uma crise humanitária na Terra Indígena Yanomami, com casos de intoxicação provocados pelo mercúrio do garimpo, aumento da insegurança alimentar e a precarização dos serviços de saúde. A ministra promoveu na semana passada um encontro de representantes do Ministério da Saúde e com líderes ianomâmis. Ao defender o trabalho integrado a outras pastas, ela usou um termo já destacado por Marina Silva, do Meio Ambiente:

— As políticas indígenas são transversais.

Lembrança de Marielle

Irmã da vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018, Anielle se comprometeu a fortalecer a Lei de Cotas, aumentar a presença de servidores públicos negros em altos cargos e, como o GLOBO havia antecipado, lançar ações com outros ministérios para redução da letalidade contra a juventude negra.

— Desde o dia 14 de março de 2018, em que tiraram Marielle da minha família e da sociedade brasileira, tenho dedicado cada minuto da minha vida a lutar por justiça, defender a memória, multiplicar o legado e regar as sementes de minha irmã — afirmou.

Anielle anunciou também que quer políticas públicas para comunidades quilombolas e ciganas.