O Globo, n. 32665, 12/01/2023. Economia, p. 13

Haddad lança hoje pacote de até R$ 150 bilhões

Manoel Ventura


O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, lançará hoje uma série de medidas para reduzir sensivelmente o rombo nas contas públicas. O pacote, cuja maior parte é do lado das receitas, deve ter um impacto de mais de R$ 100 bilhões, podendo chegar a R$ 150 bilhões. Mas a dimensão das ações e o cálculo exato ainda estão sendo fechados.

O pacote será apresentado em cerimônia no Palácio do Planalto, que deve contar com a presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, além de Haddad e de ministros como Rui Costa (Casa Civil) e Simone Tebet (Planejamento). Ao todo, devem ser anunciadas quatro medidas provisórias (MPs), dois decretos e algumas portarias.

Lula quer fazer da cerimônia um ato político, com demonstração de responsabilidade sobre as contas públicas, de que o governo está tomando medidas econômicas já nos primeiros dias e de que o Executivo não parou depois dos atos de terrorismo no domingo, em Brasília.

Haddad tem como um dos principais objetivos no curto prazo reduzir a projeção de déficit nas contas públicas prevista para este ano. Foi fixado no Orçamento de 2023 um rombo de R$ 231 bilhões, considerado exagerado pelo ministro. Ele tem dito a sua equipe, em reuniões internas, que pretende reduzir esse déficit e solicitado ações para cumprir esse objetivo.

Recursos no Carf

Entre as medidas que serão anunciadas por Haddad está o fim do desempate a favor dos contribuintes nos julgamentos administrativos do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf). Esse modelo substituiu, em 2020, o voto de qualidade — que é o desempate pelo voto duplo de um representante da Receita Federal. O Carf é o tribunal administrativo do Fisco.

Os empates nos julgamentos do Carf costumam ocorrer nos assuntos mais disputados tanto pelas teses jurídicas quanto pelos valores envolvidos. Há hoje cerca de R$ 1 trilhão em discussão no Carf. São processos que contestam a incidência de tributos e multas aplicadas pelos auditores fiscais. Para a equipe de Haddad, a volta do voto de qualidade pode aumentar a arrecadação.

Segundo relatos feitos por auxiliares de Haddad, desde a mudança na sistemática de desempate, os contribuintes venceram diversas teses disputadas no órgão. Há casos que sempre eram vencidos pela Fazenda e nos quais os contribuintes passaram a ser vitoriosos. Um exemplo disso é a amortização de ágio, caso em que houve uma consolidação de entendimento a favor do contribuinte desde o ano passado.

Para técnicos do Ministério da Fazenda, parte dos recursos em discussão no Carf poderia ser mais rapidamente recolhida aos cofres públicos com a volta do voto de qualidade.

Haddad também pretende apresentar medidas estruturais para acelerar a análise dos processos no Carf. Um novo presidente já foi designado para o comando do tribunal. Desde segunda-feira, as sessões do Conselho estão suspensas, à espera do anúncio das primeiras medidas pelo Ministério da Fazenda.

Desafio no Congresso

Entre as medidas a serem apresentadas também está a reoneração de impostos que foram reduzidos no ano passado, como o PIS/Cofins sobre a receita financeira de grandes empresas. Esse tributo foi reduzido no fim de 2022, como um dos últimos atos da gestão Jair Bolsonaro, e terá um impacto de R$ 4,4 bilhões.

Na lista de exonerações está ainda o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre algumas transações. A reoneração do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) também está sendo considerada, ao menos em parte.

Outra medida na lista é o aproveitamento de créditos do ICMS, com potencial de elevar as receitas federais em R$ 30 bilhões.

O pacote será o primeiro grande desafio de Haddad no Congresso. As MPs entram em vigor imediatamente após a sua publicação, mas precisarão ser validadas por deputados e senadores. A nova Câmara e o novo Senado tomam posse em fevereiro e terão 120 dias para analisar os textos, podendo alterá-los. Foi o Congresso, por exemplo, que extinguiu o voto de qualidade do Carf em 2020.