O Globo, n. 32632, 10/12/2022. Economia, p. 15

Metas de curto prazo

Manoel Ventura
Thiago Bronzatto


Após semanas de especulação, o ex-prefeito de São Paulo e ex-ministro da Educação Fernando Haddad foi anunciado ontem por Luiz Inácio Lula da Silva para comandar o Ministério da Fazenda do seu terceiro governo, que se inicia em 1° de janeiro de 2023. Em um claro recado ao mercado, que o vê com ressalvas, Haddad já definiu quais serão seus principais objetivos, assim que tomar posse.

— Arcabouço fiscal e reforma tributária são as duas prioridades de curto prazo — disse ao GLOBO.

A reforma tributária é um desejo antigo do mercado e do setor produtivo, vista como fundamental para destravar a economia do país e para reduzir custos e a burocracia. O novo arcabouço fiscal, por sua vez, é a maior preocupação dos economistas.

O presidente eleito já havia informado, durante a campanha, que acabaria com o teto de gastos, considerada a principal regra das contas públicas atualmente. Agora, Haddad vai trabalhar na norma que vai substituir essa trava fiscal, que limita o aumento das despesas da União à inflação do ano anterior. A "PEC da Transição", que abre espaço no Orçamento de 2023, determina que o governo eleito encaminhe ao Congresso uma nova âncora fiscal no próximo ano.

Além do grupo econômico da transição, Haddad vai receber propostas de técnicos do Tesouro Nacional e de economistas. Para ele, a regra fiscal e a reforma tributária podem andar juntas, como parte de uma agenda forte para o ano que vem. Essa agenda inclui também negociações para ampliar o comércio internacional, como o acordo entre o Mercosul e a União Europeia.

Haddad avalia que serão necessários três meses para discutir o novo arcabouço fiscal com a futura equipe, antes de enviá-lo ao Congresso. É um desafio que envolve o equilíbrio das contas públicas, a credibilidade da gestão e também o tamanho dos gastos que o novo governo fará.

Após ser confirmado para a Fazenda, Haddad viajou para São Paulo, onde já deve começar a montar a sua equipe. Como mostrou a colunista do GLOBO Malu Gaspar, o futuro titular da economia avalia dar o quanto antes sinais públicos de que pretende ser um ministro da Fazenda fiscalmente responsável e que não é o "gastador" que a Faria Lima imagina.

Uma das formas de passar uma mensagem positiva pode ser a indicação do secretariado, que o futuro ministro já tem na cabeça, mas tem procurado manter em segredo. Embora não tenha feito nenhum convite formal, Haddad conversou com vários economistas nos últimos dias.

Cotados para a equipe
Na lista de cotados, segundo Malu Gaspar, estão o economista Bernard Appy, que foi secretário de Antônio Palocci, ministro da Fazenda no primeiro governo Lula. Um dos economistas mais respeitados do país, Appy é cotado para comandar uma secretaria voltada para destravar a reforma tributária.

Outro cotado para a equipe é Marco Bonomo, professor do Insper. Já para a Secretaria de Política Econômica poderia ir Marcos Cruz, que foi secretário de Finanças na Prefeitura de São Paulo de Haddad.

Segundo o colunista Lauro Jardim, a expectativa é que já no meio da semana que vem a equipe de Haddad — ou ao menos os comandantes das secretarias Executiva, do Tesouro e de Política Econômica — esteja anunciada.

Hoje, a política econômica está sob o guarda-chuva do Ministério da Economia, comandada por Paulo Guedes. A pasta reúne atualmente as atribuições da Fazenda, do Planejamento e da Indústria e Comércio Exterior. Essas pastas serão desmembradas a partir do ano que vem.

Os nomes dos ministros do Planejamento e da Indústria ainda não foram anunciados por Lula. A relação com essas pastas será importante na futura gestão. O Planejamento, por exemplo, cuidará da gestão de pessoal e do desenho de uma possível reforma administrativa. Já a Indústria ficará com o BNDES e mecanismos de incentivos para o setor.

Desafios pela frente
Aos 59 anos, Haddad assumirá o Ministério da Fazenda com a expectativa de promover crescimento econômico, gerar empregos e anunciar uma política fiscal no médio e longo prazos que sinalize equilíbrio das contas públicas. Nascido em São Paulo, ele se formou em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Especializou-se em Direito Civil e fez mestrado em Economia e doutorado em Filosofia pela mesma universidade.

Haddad chegará ao governo com o Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro perdendo força no terceiro trimestre, os juros básicos em um patamar bastante elevado (13,75% ao ano) e com uma perspectiva de recessão internacional no horizonte.

No curto prazo, Haddad tem o desafio de contribuir para resolver o imbróglio do Orçamento de 2023, enquanto prepara as primeiras definições para seu ministério. Antes mesmo de tomar posse, o novo governo tem sido criticado por conta da "PEC da Transição", desenhada para recompor o Orçamento de 2023 e com um impacto que pode superar os R$ 200 bilhões.

Ao anunciar Haddad, Lula disse que ele começará a apresentar resultados antes da posse:

— Ele tem a incumbência de ter uns dias para montar sua equipe e já começar a apresentar resultado antes de a gente tomar posse.

O presidente-eleito destacou que, agora, a imprensa poderá procurar Haddad para tratar de assuntos econômicos:

— Vocês poderão conversar com o Haddad sobre o mercado, sobre a preocupação do mercado. Espero que Haddad fale do mercado, mas fale do problema social, que o Brasil precisa.

Ontem, a Bolsa subiu 0,25%, aos 107.520 pontos. A indicação de Haddad já era esperada pelos investidores, o que contribuiu para a reação morna dos ativos no dia. Na semana, contudo, o Ibovespa caiu 3,94%, pressionado pelas incertezas fiscais. Já o dólar subiu 0,56% ontem, negociado a R$ 5,24. Na semana, o dólar subiu 0,57%.