O Globo, n. 32631, 09/12/2022. Economia, p. 11

A batalha da Câmara

Fernanda Trisotto
Manoel Ventura


Após uma aprovação no Senado com placar mais folgado que o previsto, a tramitação da “PEC da Transição” deve enfrentar um cenário mais desafiador na Câmara. Há descontentamento dos parlamentares com a falta de influência no texto final, partidos mais próximos ao presidente Jair Bolsonaro (PL) querem reduzir prazo e impacto da medida, e há uma tensão gerada pelo julgamento da legalidade do orçamento secreto no Supremo Tribunal Federal (STF). Líderes do PT, no entanto, acreditam que vão conseguir dobrar as resistências e esperam que o texto passe na quarta-feira entre os deputados.
Depois de mais de 20 dias de negociação, a PEC foi aprovada com o voto de 64 senadores — placar do primeiro turno — no plenário do Senado na noite de quarta-feira. O número ficou além dos 49 votos mínimos necessários para aprovar a proposta e acima dos 55 votos estimados pelo PT momentos antes da votação. Na prática, apenas a base muito bolsonarista e alguns senadores que se consideram independentes, mas são próximos ao atual presidente, deram os 16 votos contrários.

Relator do União Brasil

O resultado animou a equipe do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, que acredita que os deputados são ainda mais suscetíveis ao risco do chamado “suicídio político”, ou seja, não devem votar contra uma medida que, na prática, vai permitir que o Bolsa Família se mantenha em R$ 600 e viabilizará o aumento real do salário mínimo e a recomposição de programas como merenda escolar e Farmácia Popular.

Para ampliar as chances de aprovação, a equipe de Lula e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), estudam indicar o líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), ou seu colega Celso Sabino (PA), que preside a Comissão Mista de Orçamento (CMO), como relator da PEC na Casa. O União Brasil tem a quarta maior bancada da Casa, com 53 deputados — uma parcela importante na conta dos 308 votos, de um universo de 513 deputados, necessários para a aprovação da proposta.

A estratégia é que senadores aliados a Lula se mobilizem para que seus partidos na Câmara votem favoravelmente ao texto já aprovado. Por enquanto, líderes ainda discutem a proposta, que tem impacto de R$ 168 bilhões, considerando a ampliação do limite do teto de gastos em R$ 145 bilhões por dois anos e a liberação de R$ 23 bilhões para investimentos fora do da regra fiscal.

Este valor, contudo, pode superar os R$ 200 bilhões com alguns “penduricalhos” aprovados, como retirar a receita própria de universidades e da Fiocruz do teto de gastos.

Mesmo antes da aprovação do texto pelo Senado, parlamentares que estavam insatisfeitos com o valor da fatura liberada ao PT já articulavam com deputados tentativas de mudar a PEC.

Representantes do Centrão seguem defendendo a redução do prazo e da fatura da PEC. Eles argumentam que, ao diminuir o valor de ampliação do teto de gastos mas criando novas exceções e liberando o uso do PIS/Pasep, o partido enxugou de um lado e acabou mantendo um valor elevado por outro.

Além disso, alguns deputados demonstravam insatisfação por não terem sido consultados pelo relator da PEC, Alexandre Silveira (PSD-MG), para a elaboração do texto, e por terem ficado de fora do acordo costurado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado na terça-feira.

Tensão com julgamento

Entretanto o que mais preocupa é a tensão criada pelo julgamento da legalidade do orçamento secreto no STF. Arthur Lira é um defensor das emendas de relator e quer manter o mecanismo. E a nota da colunista do GLOBO Malu Gaspar, indicando que Lula estaria atuando nos bastidores para tentar acabar com o mecanismo no Supremo, piorou o cenário da PEC entre deputados, segundo lideranças partidárias, mas sem “ferir de morte” a tramitação da PEC, até o momento.

O vice-presidente eleito Geraldo Alckmin (PSB) afirmou ontem que acredita que a PEC será aprovada na Câmara, mesmo com o julgamento do STF em paralelo:

— Entendo que (o julgamento no STF) não vai atrapalhar a aprovação da PEC, são questões distintas. Acredito que da mesma forma que o Senado fez uma manifestação expressiva, a Câmara também o fará, entendendo que o que se deseja é pagar o Bolsa Família, manter o Estado funcionando. Não pode inviabilizar universidades, hospitais, isso não tem o menor sentido.

O vice-presidente argumentou que a aprovação do texto é necessária para garantir a estabilidade fiscal do país. Segundo ele, a medida ajudará o Brasil a retomar o crescimento. Alckmin ainda defende que a PEC tenha validade de dois anos, como aprovada no Senado, para dar tempo de o novo governo aprovar uma nova âncora fiscal que substituiria o teto de gastos.

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), compartilha da visão de Alckmin. Ele disse ontem que o julgamento do orçamento secreto e a aprovação da “PEC da Transição” são “coisas independentes”:

— Nós aguardamos a decisão do STF com toda serenidade e na absoluta convicção de que são coisas independentes. O nosso compromisso com o país, de estabelecer o Bolsa Família, de votar uma proposta de emenda à Constituição, não deve ser influenciado por uma decisão do Supremo.