Valor Econômico, v. 20, n. 4883, 20/11/2019. Política, p. A8

Bolsonaro deixa o PSL, mas APB corre risco

Andrea Jubé
Murillo Camarotto
Luísa Martins


Após quase dois meses de desgaste e embates internos, o presidente Jair Bolsonaro formalizou ontem sua desfiliação do PSL, dando largada oficialmente à criação do Aliança pelo Brasil (APB). Na mesma data, o PSL reconduziu Luciano Bivar à presidência da sigla.

O Ministério Público Eleitoral (MPE), entretanto, deu um sinal amarelo para os planos de Bolsonaro: em parecer apresentado ontem, manifestou-se contrário à coleta digital das assinaturas necessárias à criação de uma nova legenda. A estratégia é considerada essencial para que o APB obtenha o registro em tempo hábil para disputar as eleições municipais de 2020.

Ontem Bolsonaro confirmou que será o presidente da nova sigla: o ato de fundação do APB ocorrerá amanhã em Brasília, com a apresentação do estatuto, programa partidário e relação dos fundadores. “Por enquanto sou eu [o presidente], mas isso também pode mudar”, ressalvou. “Na política tudo muda”, complementou, ao chegar à residência oficial do Palácio da Alvorada no início da noite.

O senador Flávio Bolsonaro (RJ) havia deixado o PSL na segunda-feira. Detentores de cargos majoritários, Bolsonaro e o filho podem trocar de legenda sem risco de perder o mandato. Ontem os advogados de Bolsonaro, Admar Gonzaga e Karina Kufa, reuniram-se com ele no Palácio do Planalto para acertar os detalhes do desligamento do PSL e fundação do APB.

Em entrevista no Planalto, Gonzaga afirmou que conseguirá viabilizar a criação da sigla para que lance candidatos a prefeito e vereador em 2020. No entanto, ontem, o vice-procurador-geral eleitoral Humberto Jacques encaminhou um parecer ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) manifestando-se contra a coleta de assinaturas digitais para a criação de partidos.

Jacques argumenta que a medida “é lícita, mas não é possível", ante o fato de que “todo o esforço na Justiça Eleitoral é devotado ao tratamento dos documentos em papel”. O documento instrui uma consulta ao TSE protocolada pelo deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), questionando a viabilidade das assinaturas eletrônicas de eleitores para apoiar a fundação de uma nova sigla.

Segundo o vice-procurador, recolher as assinaturas pelo meio eletrônico “não é nem uma via universal nem igualitária, nem uma via que simplifica e encurta os fluxos de trabalho como a biometria”. Para ele, apesar de o meio digital “empolgar à primeira vista”, a saída mais viável é manter como está - as assinaturas sendo conferidas em tabelionato de notas, por meio de reconhecimento de firma.

“A uma, porque seu custo de obtenção é muito menor para o cidadão. A duas, porque os tabeliães possuem fé pública no reconhecimento das firmas. A três porque tal ato cartorário prévio desonera os servidores da Justiça Eleitoral de uma segunda operação de conferência ante a já procedida pelo tabelionato”, justificou Jacques.

É necessário o recolhimento de pelo menos 491,9 mil assinaturas, em nove Estados, de pessoas não filiadas a outros partidos, para fundar uma nova agremiação. Essas adesões têm de ser autenticadas pelos cartórios eleitorais, sob a supervisão dos tribunais regionais eleitorais, e apresentadas até março. O TSE deve concluir o julgamento do registro até 5 de abril para que a legenda possa concorrer nas eleições do próximo ano.

Ex-ministro do TSE e advogado de Bolsonaro, Gonzaga, anunciou que pretende recorrer à coleta digital de assinaturas para acelerar a criação do APB. O parecer de Humberto Jacques não é vinculativo, ou seja, os ministros não precisam encampá-lo. Mas é relevante para a formação da convicção do plenário do TSE.

Ontem Bivar foi reconduzido, em convenção nacional do PSL, a um novo mandato de dois anos. Um de seus principais aliados, o deputado Júnior Bozzella (SP), passou a compor a Executiva, tornando-se segundo vice-presidente - vaga que já foi ocupada pelo ex-ministro Gustavo Bebbiano.

Em entrevista coletiva, Bivar anunciou a escolha do deputado Sargento Gurgel (RJ) para a presidência do diretório estadual do Rio de Janeiro, em substituição a Flávio Bolsonaro. De acordo com Bivar, a bancada do PSL continuará comprometida com a agenda de reformas econômicas e de segurança pública, acenando que poderá seguir apoiando propostas de Bolsonaro.

Bivar também adiantou que o Conselho de Ética da sigla se reúne hoje para analisar as defesas dos parlamentares que estão sendo processados e podem ser expulsos da legenda por infidelidade. Nesta hipótese, o PSL pode reivindicar os mandatos. Um dos processados é o atual líder do PSL, deputado Eduardo Bolsonaro (SP), que vai migrar para o APB - mas como titular de mandato proporcional, ele só pode deixar a legenda quando o novo partido obtiver o registro eleitoral, sob pena de perder o mandato.

Segundo uma fonte que acompanha as articulações da Executiva, há duas medidas em estudo que atingem Eduardo. Para destitui-lo da liderança da bancada, o Conselho de Ética deve puni-lo com pena de suspensão das funções parlamentares. Dessa forma, ele se torna impedido de exercer a liderança.

Em outra frente, para afastar Eduardo do comando do diretório estadual de São Paulo, ele poderá ser acusado de malversação das contas partidárias - mas essa solução ainda está sendo discutida internamente. Foi constituído um comitê para debater a situação do diretório paulista, formado por Bozzella, Joice Hasselmann (SP) e Coronel Tadeu (SP).

Uma fonte da Executiva afirma que pelo menos 12 parlamentares poderão sofrer punições mais severas, inclusive Carla Zambelli (SP), Bibo Nunes (RS) e Daniel Silveira (RJ).

Silveira assumiu publicamente que gravou reunião da bancada então liderada pelo deputado Delegado Waldir (PSL-GO) e tornou públicas as discussões. No áudio, Waldir chamou Bolsonaro de “vagabundo”.

Líder do PSL no Senado, Major Olímpio (SP) disse que, a princípio, a manifestação de pelo menos 20 deputados que pretendem seguir Bolsonaro na criação do APB não configura infidelidade partidária. Mas citou o deputado estadual Thiago Cortês, de São Paulo, como exemplo de conduta infiel - ele fez chacota do PSL nas redes sociais e instou os seguidores a se desfiliarem da legenda. (Colaboraram Fabio Murakawa e Matheus Schuch)