O Globo, n. 32629, 07/12/2022. Opinião, p. 2

Congresso deveria adotar leis para maior transparência



As emendas do relator do Orçamento no Congresso, conhecidas pela sigla RP9 e apelidadas de orçamento secreto, são o exemplo mais descarado da troca de favores entre o governo e o Parlamento, do toma lá dá cá que segue a lógica perversa “darei meu voto se me deres dinheiro ou cargos”. Obviamente, não o único. Na história do presidencialismo de coalizão brasileiro, diferentes mecanismos já foram adotados para o Executivo obter apoio parlamentar e conseguir governar. Está nessa relação a origem dos maiores escândalos de corrupção do país, como mensalão e petrolão.

A discussão sobre o orçamento secreto no Supremo Tribunal Federal abre uma oportunidade. Mas seria um absurdo retirar o poder de destinar recursos de modo opaco dos caciques do Congresso apenas para que ele caia novamente nas mãos do presidente da República e de seus ministros. Para acabar com os acordos espúrios, o Brasil precisa dar um passo na direção da boa governança, estabelecendo a mais absoluta transparência nas negociações entre Executivo e Legislativo.

Prefeitos, governadores e o presidente são geralmente eleitos sem maioria no Legislativo. Montar uma coalizão é pré-requisito para governar. Na ausência de partidos sólidos e acordos com base em ideias e programas, verbas e cargos viram moeda de troca. O problema não está em atender ao interesse dos aliados. Negociações são inerentes à democracia. O problema está na falta de transparência que permite conduzir negócios escusos com dinheiro público, sob a proteção do sigilo.

É verdade que muito já evoluiu, com a adoção de critérios mais republicanos na execução das emendas individuais, de novas leis e a maior fiscalização dos órgãos de controle. Mas ainda resta muito a fazer num país em que proliferam nichos propensos a negociatas. Ninguém cai do céu em cargos da máquina pública. Há sempre “padrinhos”. Governadores, presidente e líderes partidários sabem bem quem ganha o quê e por quê. Ainda que a negociação fosse aberta, os indicados raramente têm qualificação, e obras recebem recursos segundo a lógica política, não prioridades sociais e econômicas. Em caso de irregularidades, os prejuízos são bem maiores.

O fim da excrescência do orçamento secreto, se confirmado, deveria servir de estímulo para que o Congresso crie mecanismos transparentes e eficazes para as negociações com o Executivo. Para começar, toda emenda parlamentar deveria ser identificada no Portal da Transparência pelo nome do beneficiado — como as individuais —, além de apresentar justificativas técnicas emitidas por organismos independentes.

Além disso, qualquer pedido de parlamentar — de verbas a cargos, incluindo execução de emendas — deveria ser registrado publicamente e acompanhado de declaração assinada, garantindo que seu autor não se beneficiará do dinheiro nem das indicações. As demandas por cargos, verbas e respectivos beneficiários, assim como estudos técnicos e qualificações que os embasem, deveriam ser públicos. Ninguém deveria poder assumir cargo no Estado sem o procedimento burocrático que os americanos chamam de vetting, para evitar conflitos de interesses.

Para legisladores republicanos, tais regras não mudariam nada. Mas, entre os fisiológicos, a vigilância da sociedade serviria como freio. Transparência é o mínimo que os eleitos devem àqueles que os elegeram.