O Estado de São Paulo, n. 46815, 20/12/2021. Política p.A6

 

Em gesto por aliança, Lula e Alckmin se encontram em SP

 

Luiz Vassallo

Alessandra Monnerat

Adversários tradicionais da política nacional, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o ex-governador de São Paulo Geraldo Alckmin se encontraram publicamente na noite de ontem pela primeira vez desde que começaram a negociar uma aliança para disputar a eleição de 2022. Organizado pelo Prerrogativas, grupo de advogados "antilavajatistas", o "Jantar pela Democracia" reuniu em São Paulo cerca de 500 convidados, incluindo governadores, presidentes de vários partidos e outras lideranças de destaque.

Apesar de não existir uma união formal, o encontro é carregado de simbologia; governador de São Paulo quatro vezes pelo PSDB, Alckmin se desfiliou na última quarta-feira e estuda convites de três legendas para traçar seu destino político.

Mesmo à frente da corrida pela sucessão paulista, segundo as pesquisas de intenção de voto, o ex-tucano deve priorizar a disputa nacional e assumir a précandidatura a vice-presidente, compondo com Lula. Mas não decidiu ainda por qual partido o faria; por enquanto, a conversa mais adiantada é com o PSB.

Alckmin desconversou sobre o significado do encontro. "É só um jantar de fim de ano", disse ao Estadão. Ao discursar para a plateia, Lula seguiu a mesma linha, ironizando a atenção da imprensa e repetindo que ainda não definiu a candidatura.

"Sei que o Brasil que eu vou pegar em 2023 é muito pior que eu peguei em 2003. Segundo, depende do meu partido. É um partido que tem uma história, o partido mais importante da esquerda brasileira", afirmou. "Tenho que respeitar o Alckmin, quem vai dizer se a gente vai se juntar ou não é o meu partido e o partido dele."

Lula ainda deixou claro que as críticas que ambos possam ter trocado no passado não vão impedir um eventual acordo. "Independente de qualquer coisa, quero dizer que aprendi a respeitar certas pessoas. Eu passei 30 anos xingando o Delfim Netto, e depois ele esqueceu todas as ofensas e me apoiou em todo o meu governo."

 

OPÇÕES. Além do PSB, Alckmin tem convites de filiação ao Solidariedade e ao PSD, neste último caso, porém, para disputar o governo paulista. O PSB tem imposto uma série de condições ao PT para selar o acordo com o ex-governador na vice de Lula. Entre elas, a retirada da pré-candidatura do ex-prefeito Fernando Haddad ao governo de São Paulo e o apoio ao ex-governador Márcio França (PSB). Haddad e os petistas resistem a essa hipótese, o que abriu as portas para a tentativa do Solidariedade. O presidente do partido, Paulo Pereira da Silva, presente ao jantar, repetiu que as portas seguem abertas para Alckmin.

Assim que chegaram ao restaurante A Figueira Rubaiyat, na capital paulista, onde ocorreu o jantar, Alckmin e Lula se reuniram num salão reservado. Mais tarde, o ex-prefeito de Manaus Arthur Virgílio, derrotado nas prévias do PSDB que definiram João Doria como pré-candidato tucano, se juntou a eles, assim como o ex-deputado Almino Afonso e o deputado Marcelo Freixo (PSBRJ), que já havia se encontrado com Alckmin pela manhã.

O apoio do PT a Freixo também entrou no pacote de interesses dos socialistas em jogo na possível filiação de Alckmin. Com ingressos a R$ 500 (o Prerrogativas prevê doar o valor arrecadado para aquisição de cestas básicas em parceria com a Coalizão Negra de Direitos), os convites para o jantar se esgotaram rapidamente após Lula confirmar presença. 

 

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Bolsonaro diz querer na chapa um candidato a vice que o 'ajude'

 

O presidente Jair Bolsonaro (PL) disse ontem que seu vice, o general Hamilton Mourão, pode "até" compor novamente sua chapa na disputa ao Palácio do Planalto do ano que vem, mas que vai optar por um nome que o "ajude". "Não é fácil estar na Presidência da República, muitas vezes, sozinho", afirmou Bolsonaro em Praia Grande, no litoral paulista.

"O pessoal dá tapinhas nas costas quando tem medida positiva. Quando tem uma salgada, ninguém quer ficar ao seu lado", disse o presidente. Em julho deste ano, após divergências com o general, Bolsonaro chegou a declarar que Mourão "atrapalha um pouco", mas é obrigado a "aturar".

Em artigo publicado ontem no Estadão, Mourão defendeu o fim do "nós contra eles" e argumentou que o importante para 2022 "é um projeto de País que contemple todos os brasileiros, e não um projeto de poder". / LUCAS MELO

 

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Bolsonarismo alimenta uma possível chapa

 

ANÁLISE:  RAFAEL CORTEZ

 

A aliança Lula-alckmin parecia ser mais um balão de ensaio em meio a temporada de especulações eleitorais. É verdade que em alguns momentos a ideia de uma união entre petistas e tucanos parecia ser o sonho ideal de moderação partidária sob inspiração da hoje combalida concertação chilena ou do sistema político alemão, construído para produzir coalizões entre forças partidárias rivais.

A radicalização da elite política no País parecia ter enterrado um diálogo mais produtivo entre atores que organizaram o sistema partidário pósconstituição de 1988. O tempo, contudo, parece alimentar a composição entre antigos rivais. O encontro público entre Lula e Alckmin serve como ponto de partida para o “fazer política”, testando discurso e poder de mobilização de uma chapa que, no limite, aumenta a probabilidade de vitória do petista no primeiro turno. A eventual confirmação do acordo mostra como os partidos constroem suas estratégias eleitorais a partir do seu posicionamento em relação ao governo federal. O bolsonarismo é o emprestador de última instância da legitimidade desse acordo, relativizando a leitura de oportunismo eleitoral.

Sob a ótica petista, a potencial parceria entre Lula e Alckmin parece ir ao encontro dos interesses da legenda em 2022. A saída do ex-governador da disputa para o governo de São Paulo facilita a entrada do PT no maior colégio eleitoral. O acordo com Alckmin não apenas retira um rival, mas pode servir como ferramenta para a rejeição à legenda, em um dos berços da onda antipetista alimentada pela Operação Lava Jato.

O principal prêmio do petismo é a corrida presidencial. Alckmin poderá servir de interlocutor com grupos políticos e sociais mais distantes do partido, contribuindo para o equilíbrio eleitoral que levou o PT ao poder; equilíbrio no Sudeste e ampla vantagem do Nordeste. A ponte com Alckmin serve ainda como retrato de um Lula pragmático, amenizando a percepção entre a elite econômica de um Lula revanchista.

O bolsonarismo indiretamente alimentou a ponte entre os rivais. A elevada rejeição ao governo e a agenda de conflito institucional e pouco apreço à pluralidade oferecem base de legitimidade, aliviando o custo reputacional do encontro.