O Globo, n. 32628, 06/12/2022. Economia, p. 11

Proposta chega à CCJ

Fernanda Trisotto
Manoel Ventura
Vitor da Costa


A "PEC da Transição" começa a ser analisada hoje pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, ainda sem acordo sobre o seu tamanho, atualmente prevendo impacto de R$ 198 bilhões fora do teto de gastos (a regra que trava as despesas federais). A queda de braço sobre o valor da PEC se mantém até o último minuto, o que pode fazer com que a proposta deixe de ser votada hoje na CCJ, empurrando uma decisão na comissão para amanhã, dia previsto para que o projeto seja apreciado pelo plenário do Senado.

Por pressão do Congresso, o valor pode cair para algo entre R$ 132 bilhões e R$ 150 bilhões. Este é um patamar de gastos que o time econômico da transição avalia não representar uma expansão fiscal em 2023 em relação a 2022, ou seja, as despesas continuariam no mesmo patamar como proporção do PIB.

Vigência começaria logo

A proposta de emenda à Constituição que abre espaço no Orçamento de 2023 é prioridade do governo eleito de Luiz Inácio Lula da Silva, que admite, nos bastidores, que o tamanho das despesas extras deve cair para conseguir a aprovação do texto. A medida é necessária para garantir o Bolsa Família de R$ 600 em 2023.

Relatada pelo senador Alexandre Silveira (PSD-MG), a PEC deve começar a ser desidratada na CCJ, mas terá seu formato definido apenas quando for ao plenário da Casa. Na própria CCJ, a expectativa de senadores é que um pedido de vista leve a análise da proposta para a quarta-feira.

Uma despesa menor seria mais um enxugamento na PEC, que inicialmente previa o Bolsa Família fora do teto por quatro anos. O PT já cedeu, e o prazo de vigência cairá para dois anos.

— Como há muita resistência, com um grupo expressivo de senadores e deputados defendendo prazo de um ano, e técnicos argumentando que o prazo mínimo é de dois anos, estamos trabalhando para ser por dois anos — afirmou o senador Marcelo Castro (MDB-PI), autor da proposta e relator do Orçamento de 2023.

Parlamentares que participam das negociações afirmam que a PEC só será votada no plenário quando houver consenso, e isso implicaria uma redução do valor.

No seu formato de hoje, a PEC tira do teto de gastos toda a despesa do Bolsa Família (R$ 175 bilhões), além de um adicional de R$ 23 bilhões em investimentos. A proposta orçamentária de 2023, do governo Bolsonaro, prevê apenas R$ 105 bilhões para o programa. O objetivo do PT, ao tirar todo o programa do teto, é usar esse dinheiro para outras despesas, como investimentos, educação e saúde.

Uma alternativa que está sendo estudada é colocar um valor fixo para os gastos extras, menor que o desejado pelo PT. Esse valor extra deve valer já neste ano, de maneira que o atual governo consiga desbloquear cerca de R$ 7,5 bilhões de emendas de relator que estão travadas. O desbloqueio dessas emendas, que abastecem o chamado orçamento secreto, atenderia principalmente ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).

Essa fatura desagrada ao mercado e, por isso, ontem à noite Lira e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), reuniram-se com economistas e técnicos para discutir o valor da proposta. A preocupação deles é com o impacto da PEC para além das questões orçamentárias. Os juros futuros, por exemplo, são um dos pontos que geram temor. Na avaliação de Castro, feitos os ajustes, a PEC pode contar com o apoio de entre 50 e 55 senadores no plenário. São necessários 49 votos para ser aprovada. Na sequência, ainda precisará passar pela Câmara — e o acordo é que o texto da PEC não sofra alterações na Casa. Segundo o líder do PT, deputado Reginaldo Lopes (MG), não há tempo hábil para mudanças. Ele trabalha com um cronograma para aprovação da PEC entre os deputados até o dia 15 de dezembro.

Juros futuros sobem

A perspectiva de elevados gastos públicos no ano que vem fez com que analistas de mercado elevassem suas projeções para a inflação e para a taxa básica de juros (Selic) em 2023. De acordo com o boletim Focus, divulgado ontem pelo Banco Central, o mercado elevou a estimativa para a Selic de 11,5% para 11,75%, e a do IPCA passou de 5,02% para 5,08%.

— O que mais justifica a revisão da Selic para cima são as discussões sobre as contas públicas. Se partimos para um governo com mais gastos e que não obedeça tanto a dinâmica fiscal, podemos ter o BC menos tolerante com inflação e vemos uma revisão da Selic para cima — disse o economista e sócio da DOM Investimentos, Thiago Calestine.

O analista da VG Research, Lucas Lima, ressaltou ainda que o mercado já vê o adiamento do processo de redução dos juros. O Comitê de Política Monetária (Copom) se reúne hoje e amanhã, em seu último encontro do ano. A expectativa é que a Selic seja mantida em seu patamar atual, de 13,75%.

Com relação ao desempenho da economia, após a divulgação do PIB do terceiro trimestre, na semana passada, as projeções do mercado para este ano foram revistas de crescimento de 2,81% para 3,05% este ano. Para 2023, a expectativa passou de 0,7% para 0,75%.

A preocupação com as contas públicas somou-se ao cenário mais negativo no exterior, levando o Ibovespa a fechar ontem em queda de 2,25%, aos 109.401 pontos. Já o dólar comercial avançou 1,28%, a R$ 5,2821.

A maior cautela levou a um ajuste nas curvas de juros futuros. A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2024 subiu de 13,82% para 13,98%, e a do DI para janeiro de 2025 avançou de 12,90% para 13,08%.

Já a do DI para janeiro de 2026 passou de 12,61% para 12,80%, enquanto a do DI para janeiro de 2027 foi de 12,49% para 12,71%.