O Globo, n. 32628, 06/12/2022. Opinião, p. 2

STF tem dever de aca­bar com emenda do rela­tor



Depois de meses de suspense, a ministra Rosa Weber, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), pautou enfim para amanhã o julgamento das ações que contestam a constitucionalidade das emendas do relator do Orçamento, conhecidas pela sigla RP9. Apelidado orçamento secreto, trata-se de instrumento fisiológico, opaco, que não leva em conta critérios técnicos e incentiva a corrupção. Espera-se que a maioria do plenário varra para o lixo esse expediente, criado em 2019 pelo governo Bolsonaro para comprar apoio político e blindar o presidente de investigações e pedidos de impeachment.

É função do STF impedir que o Congresso estabeleça qualquer regra orçamentária contrária aos princípios constitucionais de moralidade, impessoalidade, publicidade, isonomia e equidade. É exatamente o caso do orçamento secreto. O dinheiro distribuído a quem apoia o governo é controlado pelos caciques do Centrão, em particular os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). As verbas são destinadas a projetos de retorno político aos parlamentares governistas, em geral em seus redutos eleitorais, e não onde façam sentido social ou econômico.

Se o problema  se restringisse a isso, já seria um escândalo. São gigantescos os desafios do Brasil. Das periferias das capitais ao interior, é evidente a necessidade de investimento em diversas áreas, da habitação à infraestrutura, da saúde ao combate à miséria. Por isso é inaceitável o critério imoral e personalista do orçamento secreto. Outros defeitos são constitucionalmente imperdoáveis. A distribuição continua opaca mesmo um ano depois que Rosa Weber determinou que o Congresso lhe desse transparência, com divulgação do volume de recursos e dos beneficiários das verbas. Ainda é possível ocultar a identidade deles. Por que o sigilo?

Na previsão para o ano que vem, o orçamento secreto foi estimado em R$ 19,4 bilhões. Desde 2020, já foi gasta uma fábula por meio desse expediente: ao redor de R$ 55 bilhões. Sem saber o nome dos beneficiados, fica difícil ligar os pontos entre quem decide o investimento e suas conexões com os empresários locais que tocam as obras, nem sempre de maneira republicana. Não faltam fortes indícios de corrupção em vários lugares, a começar pelas maracutaias denunciadas na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf).

Emendas parlamentares são um mecanismo comum, mas problemático em vários países. Entre 2011 e 2021, o Congresso dos Estados Unidos barrou a prática depois de anos de escândalos, como a construção de "pontes para lugar nenhum" no estado do Alasca. Batizadas de "financiamento de projetos comunitários", as emendas voltaram neste ano, mas de maneira mais transparente, regrada e igualitária. Preveem verbas também para a oposição, num sistema parecido com as emendas individuais e de bancada do Parlamento brasileiro, cuja distribuição foi disciplinada por emendas constitucionais e outros mecanismos de transparência adotados ao longo do tempo.

A excrescência do orçamento secreto, criada pelo Congresso com apoio da base governista, é um arbítrio do Legislativo que o STF tem o dever de extinguir. Será tarefa do governo que toma posse em janeiro formar maioria no nosso presidencialismo de coalizão sem apelar a novos esquemas de roubalheiras em segredo com o Parlamento.