Valor Econômico, v. 20, n. 4881, 16/11/2019. Opinião, p. A14

Debêntures de infraestrutura para financiar o crescimento

Daniel Wajnberg
Gabriel Ervilha
César Frade


Ao longo dos últimos sete anos, observamos crescimento expressivo na utilização das debêntures incentivadas, saindo de 8 emissões e R$ 3,6 bilhões em volume em 2012 para, em 2019, atingirmos 56 emissões e R$ 17,1 bilhões em volume, considerando os números de janeiro a agosto de 2019. Se, por um lado, alguns praticantes deste mercado entendem que a lei 12.431/2011 foi um claro avanço no desenvolvimento do mercado privado de dívida de longo prazo, por outro, persistem as críticas quanto à capacidade ou adequação do instrumento no financiamento de empreendimentos do setor de infraestrutura.

Estamos entre aqueles que entendem que os méritos do instrumento são claros e justificam trabalharmos para torná-lo mais eficiente e versátil, capaz de atrair novos públicos investidores e canalizar maiores volumes de poupança para projetos de caráter estratégico para o país. É imperativo que o país continue promovendo a diversificação das fontes de financiamento para projetos de longa maturação e siga reduzindo dependência de recursos públicos, sujeitos a restrições fiscais. Projetos que trazem externalidades positivas tão claras precisam ter opções de como se financiar, seja com empréstimos, seja com debêntures, seja em moeda local, seja em dólar e assim por diante.

É justamente este processo contínuo de comparação das alternativas de captação de recursos que gerará novos aperfeiçoamentos e mais competição, levando a um arcabouço mais diversificado e estável de financiamento. A continuidade deste processo é crucial; se concordamos que a direção está correta, temos que ter paciência e humildade para propor ajustes nos aspectos da política pública que ainda não estão perfeitos. Não é cabível imaginarmos que uma política pública de financiamento, relativamente recente, gerará eficiência total e imediata na alocação de recursos; ao invés disso, temos que aceitar que o desenvolvimento de um mercado, qualquer que seja, não se dá do dia para a noite, mas sim requer esforço e discussão permanente entre seus participantes, órgãos reguladores e governo federal.

Olhando em retrospecto, talvez seja possível listar as críticas (às debêntures de infraestrutura) abaixo como as mais recorrentes:

Contexto: As emissões foram impactadas pela instabilidade política e macroeconômica do país entre 2014 e 2016, pelo envolvimento de emissores importantes em investigações de corrupção, e, principalmente, pela competição com fontes de recursos subsidiadas e mais baratas. Dito isso, não podemos partir do pressuposto que os volumes históricos são indicativos do potencial do instrumento e devemos trabalhar para que as restrições tenham menos relevância no futuro.

Contexto: Por outro lado, os gestores de fundos incentivados (que captam recursos de pessoas físicas) a princípio são qualificados para estes investimentos. Estes veículos tem apresentado crescimento explosivo, com participação cada vez mais relevante neste mercado. Além disso, a pulverização para pessoas físicas trouxe benefícios de liquidez no mercado secundário e aumento no número de transações. Deve-se continuar promovendo melhorias na indústria de fundos incentivados e iniciativas que visem a educação de investidores.

Contexto: O patamar apertado de spreads não é o único fator que ocasionou a baixa participação destes investidores. Restrições históricas de investimento em SPE’s sem registro de companhia aberta na CVM, incentivos para investimento em títulos públicos, limitações de mandatos que contemplem assunção concomitante de risco de crédito e risco cambial e altos custos de hedges cambiais também influenciaram o baixo apetite destes players. Todas estas restrições foram e continuam sendo frentes importantes de trabalho.

Deve-se também lembrar que a lei 12.431/2011 é somente uma política pública que visa à melhoria na financiabilidade de projetos de infraestrutura e não uma panaceia para todos os problemas que impactam o financiamento e a implementação de empreendimentos do setor. Sua edição permitiu-nos observar desenvolvimentos absolutamente positivos, entre os quais podemos citar:

1) A criação de um mercado privado de financiamento de longo prazo para SPE’s de infraestrutura, praticamente inexistente antes da Lei 12.431/2011;

2) A presença de gestores altamente qualificados atuando no setor e se colocando como opções de funding para projetos de infraestrutura;

3) A elevação no indicador de número de negócios no mercado secundário, tornando mais fácil a venda do título pelo investidor - resta ainda muito espaço para melhorar neste quesito;

4) Organismos multilaterais passaram a oferecer instrumentos de garantia para as debêntures, com discussões em andamento de novos produtos;

5) Demonstrativos financeiros de projetos de infraestrutura passaram a estar mais acessíveis aos investidores, ampliando o nível de transparência;

6) Avaliações de risco de projetos passaram a ser sistematicamente realizadas por agência de rating, viabilizando melhor entendimento destes investimentos.

Avaliando os pontos acima, pode-se intuir que não se tratam de pequenos desenvolvimentos, mas sim de uma verdadeira quebra de paradigma. A lei 12.431/2011 foi uma medida com real efetividade.

Além disso, é importante ressaltar que o governo federal tem estado atento a críticas e reconhece o potencial de melhorias do instrumento. Como resultado, estão sendo propostas alterações na regulação das debêntures incentivadas que visam aumentar a atratividade para investidores institucionais, gerar maior flexibilidade nas regras de alocação de fundos, incrementar o uso das debêntures como funding para o investimento, e atrair o bolso de investidores internacionais.

Neste sentido, entendemos que o esforço de avaliação de políticas públicas deve sempre ser valorizado, mas aspectos negativos e possivelmente transitórios de determinada política sempre devem ser contrapostos com os aspectos positivos, de forma a termos uma avaliação balanceada. Caso contrário, correremos o risco de incorrer em conclusões precipitadas, criando as bases para retrocessos em temas tão estratégicos para a soberania nacional, como o desenvolvimento de um mercado de crédito privado de longo prazo para financiar nossos necessários empreendimentos em infraestrutura e produtividade.

Não é razoável propor o retrocesso a políticas passadas, extensivamente testadas e que também contaram com suas críticas específicas. Em vez disso, talvez seja mais produtivo entender os limitadores de cada alternativa de financiamento e propor soluções de coexistência e complementariedade que gerem captações mais eficientes para os tomadores de recursos.

Daniel Wajnberg é assessor da Presidência do BNDES, formado em administração na Texas Christian University.

Gabriel Ervilha, economista, é diretor de Fomento e Desenvolvimento da Infraestrutura no Ministério da Infraestrutura.

César Frade, engenheiro, é coordenador geral de Reformas Microeconômicas da SPE do Ministério da Economia.