O Globo, n. 32624, 02/12/2022. Economia, p. 17

Revisar benefícios da Previdência eleva risco fiscal

Vitor da Costa


Para especialistas, as mudanças estudadas pela equipe do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na reforma da Previdência tendem a aumentar os gastos, comprometendo ainda mais o quadro fiscal, além de desvirtuarem os princípios das mudanças aprovadas em 2019.

Como revelou ontem O GLOBO, a equipe de transição estuda uma forma de o futuro governo revisar o pagamento de benefícios como pensão por morte e aposentadoria por invalidez. Com as mudanças aprovadas o primeiro ano do governo de Jair Bolsonaro (PL), o valor desses benefícios deixou de ser integral. O novo governo quer aumentar os valores.

Para o ex-secretário de Previdência e ex-presidente do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), Leonardo Rolim, alterações no cálculo desses benefícios reduziriam a economia da União com a Previdência pretendida pela reforma. Na visão dele, isso dificultaria o fortalecimento de outras políticas sociais:

— Todas as mudanças que foram feitas preservaram os benefícios ligados aos contribuintes que ganhavam até um salário mínimo, que é onde estão os mais pobres. Essa faixa representa dois terços dos benefícios previdenciários, mas apenas 40% das despesas. A nossa regra de pensão ainda é uma das mais benevolentes do mundo, apesar das mudanças que começaram no governo Dilma, com a restrição da idade da pensionista, e que foram concluídas com a reforma.

Rolim avalia que o impacto fiscal elevado que pode ser provocado por esse tipo de revisão contradiz o argumento de proteção aos mais pobres:

— A reforma previdenciária criou, por exemplo, margem fiscal para expandir o Auxílio Brasil. A aposentadoria por invalidez precisa ter relação direta com a por idade. Você não pode pagar mais para a por invalidez do que para a por idade. Cria injustiça distributiva, além de um incentivo adverso para as pessoas forçarem a aposentadoria por invalidez.

O professor sênior da Faculdade de Economia da USP, Helio Zylberstajn, também diz que alterações podem implicar em impacto fiscal, mesmo que não sejam retroativas:

— Isso vai reduzir o impacto da reforma que foi feita lá atrás. Essas medidas em especial são pontuais e o que deveríamos esperar é um exame global da Previdência, porque, mesmo com a reforma, a diferença entre a receita e a despesa é astronômica. Isso sinaliza que precisamos de uma reforma mais profunda, e não vemos essa disposição.

Perigo de ir muito além

Além disso, como o texto precisará passar pelo Congresso, os especialistas alertam que podem ocorrer mudanças mais profundas que a ideia original do novo governo.

— O impacto é substancial com essas duas medidas e pode aumentar no Congresso, porque pode ocorrer pressão por outras mudanças. O gasto previdenciário é despesa obrigatória. Caso gaste mais, terá que cortar em outro lugar — destaca Rolim.

O ex-secretário de Previdência lembra que, em diversos países, os governos têm encaminhado propostas ao Congresso no sentido de tornar as regras previdenciárias mais rígidas devido a mudanças na demografia, com aumento da expectativa de vida e redução da taxa de fecundidade.

— E o Brasil é um dos países que está fazendo essa transição demográfica de forma mais rápida no mundo. O auge do bônus demográfico nós já perdemos. Se, por um lado, a reforma teve um efeito de conter despesas e com um enfoque naqueles que têm melhores benefícios, a transição demográfica vai consumir esses ganhos que a reforma trouxe — diz Rolim, para quem o novo governo pode investir no aperfeiçoamento da reforma em pontos que não puderam avançar, como a criação de uma camada de capitalização, ideia já proposta pelo ministro da Economia, Paulo Guedes.

Ele é contrário a reduções no valor do auxílio doença, pelo fato de o benefício ter um caráter temporário.