Valor Econômico, v. 20, n. 4881, 16/11/2019. Política, p. A10

Lula restringe apoio do PT a candidaturas aliadas em 2020

Malu Delgado
Cristiane Agostine
Carolina Freitas


O projeto de unificação do campo da centro-esquerda nas eleições de 2020 que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende liderar esbarra na desconfiança de aliados tradicionais do PT e nas novas restrições impostas pela legislação eleitoral. Além da conjuntura alterada pelo fim das coligações proporcionais e pelo rigor da cláusula de barreira, soma-se um temor de dirigentes de que Lula trabalhará para fortalecer a imagem do PT em ex-redutos petistas, com destaque para o ABC paulista e capitais estratégicas do Nordeste.

O PT começa a traçar com Lula o mapa de candidaturas prováveis no Brasil para iniciar o diálogo com seus aliados potenciais. Há disposição do partido de apoiar ao menos duas candidaturas de parceiros nas capitais: Marcelo Freixo (Psol), no Rio, e Manuela D’Ávila (PCdoB), em Porto Alegre. Há também a possibilidade de o PT apoiar um nome do Psol em Florianópolis. O apoio, no entanto, não será gratuito.

O PT quer exigir contrapartida em São Paulo, pressionando Guilherme Boulos (Psol) e Orlando Silva (PCdoB) a desistirem de se lançar. O partido, no entanto, não tem nome forte para a disputa além de Fernando Haddad, que descartou a possibilidade, mesmo sob pressão de Lula.

Ao falar pela primeira vez a dirigentes petistas desde que deixou a prisão, na quinta-feira, em reunião da Executiva, em Salvador, Lula deixou clara a restrição a apoiar candidaturas de aliados nas próximas eleições. “O PT não nasceu para ser partido de apoio”, afirmou. “Um partido só cresce quando disputa.” O líder ironizou o rompimento de Ciro Gomes (PDT) com o PT por não ter obtido apoio dos petistas para concorrer em 2018. “Ele [Ciro] acha que o Bahia, quando vai jogar com o Vitória, vai amolecer para o Vitória? ”

Presidente nacional do PCdoB, a vice-governadora de Pernambuco, Luciana Santos, afirma que é preciso “tirar lições dos descompassos do passado”. “A estratégia deve ser derrotar os candidatos do bolsonarismo pelo Brasil. Em cada local é preciso avaliar a melhor tática”, afirma.

Manuela D’Ávila diz ver uma “tendência grande” de o PT construir uma candidatura com partidos de esquerda em Porto Alegre, ao redor do nome dela. “Se meu nome conseguir materializar essa unidade, ele está à disposição. As conversas têm avançado”, afirma. Ela disputou em 2018 como vice de Haddad.

Para o PCdoB, além da candidatura de Manuela, a possibilidade de reeleição de Edivaldo Nogueira em Aracaju (SE) e a disputa em São Luís (MA) são vistas com otimismo. O Maranhão é o único Estado governado pelo PCdoB, com Flávio Dino.

A largada das articulações de Lula em Salvador (BA) e no Recife (PE) foi cheia de simbolismo. O embate na capital da Bahia pode reprisar a disputa PT versus DEM, testando a força de Lula e do atual governador, Rui Costa (PT), contra o prefeito de Salvador, ACM Neto (DEM).

O fato de a coalizão de Rui Costa ser ampla e de não haver um nome forte do PT no Estado abre horizonte novo. O nome que está no radar é o do presidente do Esporte Clube da Bahia, Guilherme Bellintani, que demonstrou o interesse de concorrer. Ele já fez parte do governo de ACM Neto e é tido como candidato que pode ter visibilidade na centro-esquerda. As negociações de Bellintani, no entanto, são com o PSB.

O PCdoB lançou na Bahia a pré-candidatura da deputada estadual Olívia Santana. Ativa em movimentos sociais, conta com simpatia de intelectuais e artistas de Salvador. Outro nome é Pastor Sargento Isidório, do Avante. Deputado federal, disputou em 2016 e ficou em terceiro lugar, com 9% dos votos válidos.

O candidato de ACM Neto não está definido, mas pode ser seu vice, Bruno Reis, do MDB. Com um quadro tão fragmentado, não há favoritos. Tanto Lula quanto o presidente Jair Bolsonaro enxergam Salvador como um local simbólico para a eleição. “Está o samba do crioulo doido”, definiu um petista do Estado.

Já o xadrez do PT com o PSB passa por Pernambuco, hoje governado por Paulo Câmara (PSB). O intuito do PSB é lançar à Prefeitura do Recife o deputado federal João Campos, filho do ex-governador Eduardo Campos, morto há cinco anos. Mas o PT está determinado a lançar ao posto a deputada federal Marília Arraes, neta de Miguel Arraes e prima de Eduardo Campos. Marília foi rifada pelo PT em 2018 e impedida de concorrer ao governo do Estado, para manter um acordo nacional com o PSB e impedir a sigla de caminhar ao lado da candidatura de Ciro.

Entre todas as 26 capitais, o PT, hoje, teria chance concreta em apenas duas: Fortaleza (CE), com a candidatura da deputada federal Luizianne Lins, e Manaus (AM), com o também deputado José Ricardo, que foi o mais votado em 2018, com 197.270 votos. José Ricardo aparece nas pesquisas entre segundo e terceiro colocado, atrás de David Almeida (Avante) e de Amazonino Mendes (Sem partido).

No Ceará, o PT busca manter o diálogo e construir aliança com o PDT, apesar da ruptura de Ciro com Lula. O ex-governador cearense chamou o comando do PT de “quadrilha”. “Não vamos deixar que essas agressões dificultem o diálogo na esquerda”, disse Antônio Filho, presidente do diretório estadual do PT.

Em 2016, os petistas apoiaram o PDT em 35 cidades. Nas próximas eleições municipais, pretendem manter o acordo em diversos municípios cearenses. Antônio Filho tem negociado com o presidente do PDT do Ceará, deputado André Figueiredo. Em Fortaleza, o acordo é improvável, porque o PDT terá candidato próprio à sucessão do prefeito reeleito Roberto Cláudio (PDT).

Se no Nordeste há complexidades para a centro-esquerda, no Sudeste o jogo é delicado. Para o vice-presidente nacional do PCdoB, Walter Sorrentino, é fundamental para a esquerda derrotar candidatos simpáticos ao presidente Jair Bolsonaro no Rio, em Belo Horizonte e em São Paulo. “Somos obrigados a produzir entendimentos, sobretudo nas capitais”, afirma. No entanto, Sorrentino enfatiza que o PCdoB tem de mostrar sua cara no país e lançar chapas completas em capitais e grandes centros, por conta do fim das coligações. “Não dá para colocar os interesses do PT acima de tudo”, disse.

O deputado federal Orlando Silva (PCdoB), que teve a pré-candidatura homologada pelo partido dele em São Paulo, duvida de uma atitude magnânima do PT ou de Lula. “Não faz nenhum sentido o PCdoB continuar à sombra do PT. Continuar apoiando os candidatos do PT é quase assinar nossa sentença de morte”, afirmou, referindo-se à cláusula de barreira. “O Brasil, a nosso ver, não precisa reforçar o sectarismo e a identidade de esquerda. O que precisamos ter é a construção de uma frente ampla pela democracia. ”

Ex-ministro de Lula, Orlando Silva vê no ex-presidente a intenção de fortalecer o PT. “Lula em campo significa mais PT, fortalecer a polarização com Bolsonaro. A tendência é que o PT dobre a aposta de apresentação de candidaturas próprias. ” (Colaboraram Marcos de Moura e Souza, de Belo Horizonte; Renan Truffi, de Brasília; e Cristian Klein, do Rio)