Valor Econômico, v. 20, n. 4880, 14/11/2019. Opinião, p. A19

Como ampliar o crédito às PMEs

Jorge Arbache


Os países da América Latina fizeram reconhecidos progressos de política econômica recentemente e uma das áreas de avanço foi a gestão e supervisão dos sistemas financeiros. De um lado, os sistemas se sofisticaram com novos instrumentos financeiros e de mercado de capitais. De outro, indicadores de capitalização, liquidez, mora e outros mostram que os bancos em geral se encontram em situações confortáveis com relação a limites prudenciais, o que sugere resiliência e segurança do sistema para enfrentar crises.

Porém, os benefícios dessa maior sofisticação e fortaleza ainda não chegaram para todos, já que a região segue com grandes deficiências de acesso a crédito e outros serviços financeiros. De fato, o crédito doméstico ao setor privado é de apenas 50% do PIB, patamar substancialmente inferior ao de outras regiões emergentes, e o acesso a serviços é muito desigual por tamanho de empresa.

O acesso e custo do crédito estão entre os principais obstáculos para pequenas e médias empresas (PMEs) fazerem negócios, competirem e crescerem. Nos casos de Argentina, Brasil e México, que respondem por 65% do PIB da região, apenas 40% das pequenas empresas formais têm acesso a uma linha de crédito, enquanto mais de 95% das grandes empresas gozam desse e de outros serviços financeiros.

Como as PMEs têm participação desproporcionalmente elevada no conjunto de empresas formais da região, fazem parte de praticamente todas as cadeias de produção e têm contribuição relevante na cesta de consumo das famílias, então, para além de dificultar a geração de emprego e renda, os obstáculos de acesso a serviços financeiros têm implicações deletérias no investimento, produtividade e competitividade daquelas empresas, o que “intoxica” praticamente toda a economia.

Curioso, porém, que pesquisa da Federação Latino-Americana de Bancos indica que haveria grande interesse das instituições financeiras pelo mercado de crédito para PMEs e que 90% dos bancos contariam com políticas ativas de financiamento e atenção especializada àquelas empresas. Se há interesse dos bancos, então porque as PMEs se declaram tão desassistidas?

As explicações são muitas e, dentre as principais, estariam limitações de garantias e informações, incluindo financeiras, contábeis e operacionais, o que dificultaria a análise convencional de crédito. Essas limitações ajudariam a explicar um conhecido círculo vicioso de pouco histórico creditício, elevadas taxas de juros e prazos curtos das operações crédito. As regulações bancárias internacionais, que forçam os bancos a moverem a sua carteira para ativos de menor risco, combinadas com a elevada concentração bancária que caracteriza a região, ajudariam a reforçar aquele círculo vicioso. De outro lado, elevado custo fixo de análise e acompanhamento de crédito, combinado com elevada heterogeneidade entre as PMEs, levariam a um outro padrão, também já conhecido, de rejeição de crédito para empresas com potencial de inovação e crescimento.

Esse quadro enseja a adoção de novas soluções e opções de acesso a serviços financeiros. Essas soluções já existem e estão ao alcance dos formuladores de política. Uma delas é encorajar a entrada de novos players, incluindo as fintechs, que usam tecnologias de análise de crédito mais ágeis, leves e menos custosas que as convencionais e que permitem melhor tratamento da heterogeneidade das PMEs e desenho de estratégias diferenciadas por seguimento de empresa. Além disso, as fintechs oferecem serviços não financeiros a baixo custo para as PMEs, como gestão de clientes, contabilidade e estoques, o que ajuda a elevar a qualidade das informações de manejo das empresas.

O open banking, que é o compartilhamento de dados de clientes, também favorece a análise do crédito e a competição. A experiência do

Brasil com o Cadastro Positivo, ora em implantação com informações individuais de dezenas de milhões de clientes de empresas financeiras e não financeiras, será um laboratório valioso para testar soluções para análise de risco e condições diferenciadas de crédito.

Uma outra solução é a ampliação dos fundos de garantia para carteiras de crédito. Os fundos e operações de garantia visam compartilhar riscos e reduzir a exposição de capital e incentivar os bancos a ampliarem a carteira de crédito, melhorarem as condições de financiamento e criarem oportunidades para novos clientes. Os fundos de garantia para PMEs são ainda pouco desenvolvidos na região, têm baixa capitalização e são altamente heterogêneos e, portanto, haveria enorme espaço de crescimento. México e Colômbia têm os fundos de garantia mais desenvolvidos, porém, mesmo lá, a cobertura ainda é bastante limitada. Para além de promover a ampliação do crédito nos tempos bons, esse instrumento pode ser especialmente relevante nos tempos de contração do crédito.

Políticas de apoio ao desenvolvimento econômico e tecnológico das PMEs, incluindo inovação, capacitação laboral, empreendedorismo e educação financeira, já que acesso a serviços financeiros ajuda, mas não determina transformações, também podem cumprir papel importante no acesso a crédito.

Por fim, sistemas instantâneos de pagamento, entrada das bigtechs no mercado de crédito, venture capital, private equity, neobancos e fundos de dívida também estão entre as áreas que poderão contribuir para facilitar o caminho das PMEs aos serviços financeiros.

Há, portanto, muito a fazer, mas, também, a ganhar. Só com PMEs não se vai longe, mas sem elas não se vai a lugar algum.

Jorge Arbache é vice-Presidente de Setor Privado do Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF) e escreve mensalmente neste espaço.