O Estado de São Paulo, n. 46806, 11/12/2021. Economia p.B8

 

Incra diz que área para o garimpo representa 3,5% de assentamento

 

Exploração de ouro Megaprojeto na Amazônia

 

André Borges

 

O Incra defendeu acordo com a canadense Belo Sun que prevê a exploração de ouro em assentamento na Volta Grande do Xingu, na região da hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Por meio de nota enviada à reportagem, o órgão federal – cuja responsabilidade é a reforma agrária e que, pelo acerto, terá parte dos ganhos do garimpo – ressaltou que os 2.428 hectares a serem concedidos à mineradora no assentamento Ressaca representam 3,5% da área total, de 41 mil hectares.

O órgão, porém, não detalhou qual porcentual passaria a receber sobre a extração de ouro no local. Declarou apenas que o contrato se baseia em regras previstas no Código de Mineração e artigos que contemplam a remuneração de proprietários de terras que sejam concedidas a terceiros.

O contrato entrou no radar do Tribunal de Contas da União (TCU). O subprocurador-geral do Ministério Público junto ao TCU, Lucas Rocha Furtado, solicitou à Corte que analise o contrato entre o Incra e a mineradora.

O acordo estipula que a empresa deve recolher R$ 1,34 milhão ao Incra, cifra apurada pela Diretoria de Desenvolvimento e Consolidação de Projetos de Assentamentos, "em contraprestação pelo uso da área do imóvel pertencente ao Incra". Para chegar ao valor, foi usado o critério de composição do custo da terra, com base na Planilha de Preços Referenciais de Terras na região.

 

DESTINO DE FAMÍLIAS. O Incra afirmou que exigiu compensações pelo uso da área e que não será destacada do assentamento. "Tampouco haverá retirada de famílias, por inexistirem assentados vivendo no local diretamente afetado pelo empreendimento", disse o Incra. Na realidade, há, sim, famílias no local, conforme comprovou o pesquisador Elielson Pereira da Silva, doutor em Ciências e Desenvolvimento Socioambiental da Universidade Federal do Pará.

Segundo o Incra, o contrato inclui "ações em benefício dos próprios moradores dos assentamentos da região, em especial do Ressaca, que tem e continuará tendo capacidade para 600 famílias, não havendo, desta forma, remoção de nenhuma delas do assentamento". Sobre receber da empresa uma fazenda, a Ricaville, com 1,89 mil hectares, a mais de 1,5 mil quilômetros, em Luciara (MT), o Incra afirmou que permitirá atender a demandas do Incra "como agente promovedor de reforma agrária em todo o território nacional".

"Além de estar previsto o pagamento de participação nos resultados ou rendas provenientes da atividade do empreendimento ao Incra (regulada por legislação específica do Código de Mineração), a Belo Sun está obrigada a fazer, sem qualquer ônus para a autarquia, o georreferenciamento e a demarcação de 3 mil quilômetros de extensão em assentamentos dentro da Gleba Ituna e/ou em glebas públicas federais contíguas", disse o órgão.

A reportagem questionou o Incra se, em alguma vez em toda a sua história, já firmou parceria com exploradores de garimpo em assentamentos. O órgão federal não se manifestou. 

 

Terra cobiçada

2.428

hectares para a mineração integram uma área de 41 mil hectares

 

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Parceiro, governo do PA evita atacar mineradora

 

O governo do Pará evitou comentar a compra irregular de 21 lotes de assentamento da reforma agrária pela mineradora canadense Belo Sun na Volta Grande do Xingu, ocorrida antes de acordo com o Incra, órgão federal. Questionado pelo Estadão sobre que medidas a gestão de Helder Barbalho tomaria em relação ao caso, o governo do Pará se limitou a responder: "A Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas) informa que a licença de instalação do referido empreendimento encontra-se suspensa desde 2017, por decisão judicial".

O fato é que, da mesma forma que o Incra agora se junta à mineradora canadense para lucrar com o ouro que será retirado de um assentamento, o governo do Pará se associou com a Belo Sun em um projeto para construir uma refinaria de ouro no Estado.

Em fevereiro, durante um evento realizado pelo governador Helder Barbalho, no Palácio dos Despachos, em Belém, foi assinado "um protocolo de intenções" com seis mineradoras, entre elas a Belo Sun. Helder Barbalho disse, na ocasião, que a ideia é implantar "a maior refinaria de ouro do País" dentro do Pará, com apoio dessas empresas.

A Belo Sun afirma que seu Projeto Volta Grande terá investimento total de R$1,22 bilhão.